QUADROS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

Post date: Jun 25, 2011 1:40:06 PM

Deuladeu Martins

Durante as guerras de D. Fernando I de Portugal com Henrique II de Castela, veio Pedro Rodrigues Sarmento, adiantado de Galiza, pôr cerco à vila de Monção.

Foi então que a Providência, que muitas vezes se serve dum fraco instrumento para acções grandiosas, inspirou a uma mulher o como salvaria Monção de cair em poder de tão desapiedados inimigos.

Deuladeu Martins, esposa do capitão-mór daquela vila, Vasco Gomes de Abreu, era uma dessas mulheres de que a História nos aponta exemplos que ocultam, em peito feminino, um coração varonil. Onde o perigo era maior, lá aparecia com o denodo de um soldado corajoso e animando a todos, como o faria um chefe valoroso e dedicado.

Infelizmente tinham chegado as coisas a um ponto em que estava passado o tempo para os actos de valor, isto é, em que era inútil para os sitiados o valor das armas. A fome, zombando do esforço humano, ia pôr termo a tão heróica resistência.

Deuladeu Martins, que, enquanto teve pão para dar, o ia repartindo pelos soldados, adiando a hora fatal do rendimento da praça, chegou uma vez ao seu celeiro, e só encontrou nele uma exígua porção de farinha, com que apenas poderia fabricar alguns poucos pães. A outro qualquer desfalecer-lhe-ia o ânimo e romperia em lágrimas, vendo, nesses míseros restos do seu provimento triste anúncio da morte ou do cativeiro. Porém, a uma alma daquela têmpera a grandeza do infortúnio costuma exaltar o espírito e o pensamento. E, com efeito, a iminência do perigo sugeriu-lhe urna ideia luminosa, que Deus se dignou de coroar.

A resoluta dama, sabendo que aos inimigos começava a escassear o pão, pega da farinha, manda-a amassar e cozer, e, depois, enchendo o regaço com os pães que ela produzira, sobe às muralhas, e daí os lança aos Castelhanos, dizendo-lhes:

— A vós, que não podendo conquistar-nos pela força das armas, nos haveis querido render pela fome, nós, mais humanos, e porque, graças a Deus, nos achamos bem providos, vendo que não estais fartos, vos enviamos esse socorro, e vos daremos mais, se o pedirdes.

Ficaram os inimigos tão desconcertados com esta acção (que os fez crer em que a praça estava abundante de mantimentos) que, perdendo a esperança de a submeter, e, já cansados, levantaram o cerco.

Fonte: VASCONCELLOS, J. Leite de, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por ordem da universidade, 1966 , p.683-684

O ALCAIDE DO CASTELO DE FARIA

Reinava entre nós dom Fernando. Este príncipe, que tanto degenerava de seus antepassados em valor e prudência, fora obrigado a fazer paz com os castelhanos, depois de uma guerra infeliz, intentada sem justificados motivos, e em que se esgotaram inteiramente os tesouros do Estado. A condição principal, com que se pôs termo a esta luta desastrosa, foi que dom Fernando casasse com a filha d’el-rei de Castela. Mas brevemente a guerra se acendeu de novo; porque dom Fernando, namorado de dona Leonor Teles, sem lhe importar o contrato de que dependia o repouso dos seus vassalos, a recebeu por mulher, com afronta da princesa castelhana. Resolveu-se o pai a tomar vingança da injúria, ao que o aconselhavam ainda outros motivos. Entrou em Portugal com um exército e, recusando dom Fernando aceitar-lhe batalha, veio sobre Lisboa e cercou-a. Não sendo o nosso propósito narrar os sucessos deste sítio, volveremos o fio do discurso para o que sucedeu no Minho.

O adiantado de Galiza, Pedro Rodriguez Sarmento, entrou pela província de Entre-Douro e Minho com um grosso corpo de gente de pé e de cavalo, enquanto a maior parte do pequeno exército português trabalhava inutilmente ou por defender ou por descercar Lisboa. Prendendo, matando e saqueando, veio o adiantado até às imediações de Barcelos, sem achar quem lhe atalhasse o passo; aqui, porém, saiu-lhe ao encontro dom Henrique Manuel, conde de Seia e tio d’el Rei dom Fernando, com a gente que pôde ajuntar. Foi terrível o conflito; mas, por fim, foram desbaratados os portugueses, caindo alguns nas mãos dos adversários.

Entre os prisioneiros contava-se o alcaide-mor do Castelo de Faria, Nuno Gonçalves. Saíra este com alguns soldados para socorrer o conde de Seia, vindo, assim, a ser companheiro na comum desgraça. Cativo, o valoroso alcaide pensava em como salvaria o castelo d’el-rei seu senhor das mãos dos inimigos. Governava-o em sua ausência um seu filho, e era de crer que, vendo o pai em ferros, de bom grado desse a fortaleza para o libertar, muito mais quando os meios de defesa escasseavam. Estas considerações sugeriram um ardil a Nuno Gonçalves. Pediu ao adiantado que o mandasse conduzir ao pé dos muros do castelo, porque ele, com suas exortações, faria com que o filho o entregasse, sem derramamento de sangue.

Um troço de besteiros e de homens de armas subia a encosta do monte da Franqueira, levando no meio de si o bom alcaide Nuno Gonçalves. O adiantado de Galiza seguia atrás com o grosso da hoste, e a costaneira ou ala direita, capitaneada por João Rodriguez de Viedma, estendia-se, rodeando os muros pelo outro lado. O exército vitorioso ia tomar posse do Castelo de Faria, que lhe prometera dar nas mãos o seu cativo alcaide

De roda da barbacã alvejavam as casinhas da pequena povoação de Faria, mas silenciosas e ermas. Os seus habitantes, apenas enxergaram ao longe as bandeiras castelhanas, que esvoaçavam soltas ao vento, e viram o refulgir cintilante das armas inimigas, abandonando os seus lares, foram acolher-se no terreiro que se estendia entre os muros negros do castelo e a cerca exterior ou barbacã. Nas torres, as atalaias vigiavam atentamente a campanha, e os almocadéns corriam com a rolda pelas quadrelas do muro e subiam aos cubelos colocados nos ângulos das muralhas. O terreiro onde se haviam acolhido os habitantes da povoação estava coberto de choupanas colmadas, nas quais se abrigava a turba dos velhos, das mulheres e das crianças, que ali se julgavam seguros da violência de inimigos desapiedados.

Quando o troço dos homens de armas que levavam preso Nuno Gonçalves vinha já a pouca distância da barbacã, os besteiros que coroavam as ameias encurvaram as bestas, os homens dos engenhos prepararam-se para arrojar sobre os contrários as suas quadrelas e virotões, enquanto o clamor e o choro se alevantavam no terreiro, onde o povo inerme estava apinhado.

Um arauto saiu do meio da gente da vanguarda inimiga e caminhou para a barbacã, todas as bestas se inclinaram para o chão, e o ranger das máquinas converteu-se num silêncio profundo.

— Moço alcaide, moço alcaide! — bradou o arauto — teu pai, cativo do mui nobre Pedro Rodriguez Sarmento, adiantado de Galiza pelo mui excelente e temido dom Henrique de Castela, deseja falar contigo, de fora do teu castelo.

Gonçalo Nunes, o filho do velho alcaide, atravessou então o terreiro, e chegando à barbacã, disse ao arauto:

— A Virgem proteja meu pai. Dizei-lhe que eu o espero.

O arauto voltou ao grosso de soldados que rodeavam Nuno Gonçalves, e depois de breve demora o tropel aproximou-se da barbacã. Chegados ao pé dela, o velho guerreiro saiu dentre seus guardadores e falou com o filho:

— Sabes tu, Gonçalo Nunes, de quem é esse castelo que, segundo regimento de guerra, entreguei à tua guarda quando vim em socorro e ajuda do esforçado conde de Seia?

— É — respondeu Gonçalo Nunes — de nosso rei e senhor dom Fernando de Portugal, a quem por ele fizeste preito e menagem.

— Sabes tu, Gonçalo Nunes, que o dever de um alcaide é de nunca entregar, por nenhum caso, o seu castelo a inimigos, embora fique enterrado debaixo das ruínas dele?

— Sei, ó meu pai! — prosseguiu Gonçalo Nunes em voz baixa, para não ser ouvido dos castelhanos, que começavam a murmurar. — Mas não vês que a tua morte é certa, se os inimigos percebem que me aconselhaste a resistência?

Nuno Gonçalves, como se não tivera ouvido as reflexões do filho, clamou então:

— Pois se o sabes, cumpre o teu dever, alcaide do Castelo de Faria! Maldito por mim, sepultado sejas tu no inferno, como Judas o traidor, na hora em que os que me cercam entrarem nesse castelo, sem tropeçarem no teu cadáver.

— Morra! — gritou o almocadén castelhano. — Morra o que nos atraiçoou.

E Nuno Gonçalves caiu no chão, atravessado de muitas espadas e lanças.

— Defende-te, alcaide! — foram as últimas palavras que ele murmurou.

Gonçalo Nunes corria como louco ao redor da barbacã, clamando vingança. Uma nuvem de frechas partiu do alto dos muros; grande porção dos assassinos de Nuno Gonçalves misturara o próprio sangue com o sangue do homem leal ao seu juramento.

Os castelhanos acometeram o castelo; no primeiro dia de combate o terreiro da barbacã ficou alastrado de cadáveres tisnados e de colmos e ramos reduzidos a cinzas. Um soldado de Pedro Rodriguez Sarmento tinha sacudido com a ponta da sua longa chuça um colmeiro incendiado para dentro da cerva; o vento suão soprava nesse dia com violência, e em breve os habitantes da povoação, que haviam buscado o amparo do castelo, pereceram juntamente com as suas frágeis moradas.

Mas Gonçalo Nunes lembrava-se da maldição de seu pai. Lembrava-se de que o vira moribundo no meio dos seus matadores, e ouvia a todos os momentos o último grito do bom Nuno Gonçalves: "Defende-te, alcaide!"

O orgulhoso Sarmento viu a sua soberba abatida diante dos torvos muros do Castelo de Faria. O moço alcaide defendia-se como um leão, e o exército castelhano foi constrangido a levantar o cerco.

Gonçalo Nunes, acabada a guerra, era altamente louvado pelo seu brioso procedimento e pelas façanhas que obrara na defesa da fortaleza cuja guarda lhe fora encomendada por seu pai no último transe da vida. Mas a lembrança do horrível sucesso estava sempre presente no espírito do moço alcaide. Pedindo a el-Rei o desonerasse do cargo que tão bem desempanhara, foi depor ao pé dos altares a cervilheira e o saio de cavaleiro, para se cobrir com as vestes pacíficas do sacerdócio. Ministro do santuário, era com lágrimas e preces que ele podia pagar a seu pai o ter coberto de perpétua glória o nome dos alcaides de Faria.

Mas esta glória, não há hoje aí uma única pedra que a ateste. As relações dos historiadores foram mais duradouras que o mármore.

(Alexandre Herculano, "Lendas e Narrativas")

A recente evolução da situação portuguesa, em termos políticos, económicos, financeiros e sociais, trouxe-me à memória alguns quadros relacionados com a História de Portugal, que povoaram o meu imaginário infantil e juvenil, com destaque para esta lenda (?) de Monção e para o Alcaide de Faria, magistralmente descrito por Alexandre Herculano, nas suas Lendas e Narrativas.

Quando me lembrei das figuras de Deuladeu Martins e do Alcaide de Faria, fui obrigado a tentar encontrar algum paralelo entre o que seria o conceito de honra e dignidade na segunda metade do século XIV e na actualidade. Esta reflexão levou-me a tentar identificar situações actuais que se pudessem comparar com a situação retratada pela lenda de Monção e a primeira que me ocorreu envolve o nosso Governo, em geral, e José Sócrates, em particular, e a sua propalada teimosia em anunciar grandes obras públicas, num momento em que o nosso País não tem dinheiro para garantir a satisfação das mais elementares necessidades do Estado. Os «castelhanos» do nosso tempo são os mercados financeiros, a quem se procura, assim, transmitir a ideia de que vivemos numa grande abundância. Só que os «castelhanos» do século XXI, não se deixam iludir e não levantam o cerco, como fizeram os sitiantes de Monção, caindo na esparrela imaginada por Deuladeu Martins e não ficou outra alternativa que não fosse a de meter o rabinho entre as pernas e ir pedir ajuda.

Também em termos locais não é difícil encontrar situações que se possam comparar a estes episódios da História de Portugal, sob uma perspectiva negativa, acentuando a grande diferença que, passados mais de seis séculos, têm os conceitos de patriotismo, lealdade, dignidade e honra…, mas deixo aos meus leitores o exercício de encontrarem essas situações. Tentem e verão que é muito mais fácil do que pode parecer!..

EFEMÉRIDE

Não me apercebi que tivesse sido comemorado o 1º centenário da Filarmónica União Sardoalense que ocorreu no passado mês de Março, um marco muito importante da história cultural do Concelho de Sardoal.

Calculo que estejam a reservar energias e meios para as comemorações dos 150 anos da nossa Filarmónica, que se completa, no doa 3 de Agosto de 2012. É, também, uma data muito importante, mas convém ter presente que 3 de Agosto de 1862 é a data da fundação da Sociedade Filarmónica Sardoalense, uma das Filarmónicas que em Março de 1911, deu origem à Filarmónica União Sardoalense, sendo a outra a Sociedade Fraternidade Sardoalense que tinha sido criada nos primeiros anos do século XX.

A este respeito podem ser consultadas as notícias publicadas, na altura, no Jornal de Abrantes, recentemente transcritas neste blogue.

NA BLOGOSFERA SARDOALENSE

Pelo seu interesse e pertinência recomendo a leitura do post sobre a prestação de contas de 2010 da Câmara Municipal de Sardoal, colocado no site do Partido Socialista – Sardoal, no passado dia 9 de Maio. (http://sardoalps.blogspot.com/)