3. Algumas Referências Artísticas

Nascida na Europa, no século XII, em França, a arte gótica é o segundo grande estilo do período medieval. Já no século XV, do ponto de vista estético, de algum modo, verifica-se até cerca de 1480 a persistência da arquitectura «ao modo de Inglaterra». Para sermos mais precisos, assiste-se à continuidade das soluções do gótico flamejante (com maior peso representativo no curto reinado de D. Duarte e no período da regência de D. Pedro). Todavia, a par desta solução de continuidade coabitará uma estética, que leva ao quase desaparecimento da ornamentação, um despojamento sistemático das edificações, à sua simplificação ou elementarização geométrica, coincidindo este facto, no seu essencial, com o reinado de D. Afonso V. Não se trata já do gótico flamejante, mas antes de um gótico chão (eventualmente de um tardo – gótico de influência meridional e levantino, com aportações do sul de França e da Catalunha).

As marcas góticas da Igreja Matriz de Sardoal, estão no seu portal, formado por dois delicados colunelos capitelizados, onde a ornamentação vegetal se associa a dois rostos humanos, um masculino e outro feminino, o primeiro com a fronte coroada, na rosácea de estilo flamejante, nas portas laterais de arco de ponta e de lavor simples e nas colunas, cujos capitéis foram cortados há muitos anos.

Interiormente possui três naves, com arcos de volta redonda, em cinco tramos. Tectos de madeira de três planos, no corpo do templo. O tecto da capela - mor é de abóbada de berço.

Pouco se pode adiantar sobre a identificação das pessoas a quem coube a iniciativa de construir a Igreja Matriz. Pode ter pertencido ao próprio Rei D. Afonso V, que permaneceu no Sardoal por diversas vezes. Recorde-se, também, que foi em meados do século XV que se acentua a ascensão da ilustre família dos Almeidas, com a concessão a D. Lopo de Almeida do título, de juro e herdade, de 1º Conde de Abrantes, em 1450 e de Senhor do Sardoal.

A surpreendente encomenda do retábulo da Igreja Matriz a uma oficina de Coimbra e que integrava os painéis, atribuídos ao Mestre do Sardoal, que se encontram na Capela do Sagrado Coração de Jesus, sobre os quais pode ser solicitada informação mais detalhada, encontra a sua razão de ser uma vez que o encomendante foi o Bispo D. Jorge de Almeida, irmão e testamenteiro do padroeiro da Igreja, D. Francisco de Almeida, 1º Vice – Rei da Índia.

A acreditar que a actual Matriz do Sardoal teve a sua fundação no reinado de D. Afonso V, depois de 1450, torna-se difícil perceber a sua evolução arquitectónica para a configuração actual. Não é, também, difícil de imaginar que na sua feição original fosse mais pequena e, até, que tivesse um pé – direito menor. E se os sete painéis do Mestre do Sardoal foram ali colocados como retábulo da capela – mor, talvez por volta de 1510, esta teria que ter dimensões bem menores que as actuais.

A ser assim, a Matriz descende em linha recta das típicas igrejas nacionais do gótico mendicante, mas o reatar com a tradição medieval significa apenas uma procura de raízes onde enxertar o novo modelo espacial pretendido, cujo carácter plenamente renascentista não põe dúvidas, correspondendo a um árduo esforço intelectual: a busca de uma arquitectura para a qual não se possuíam quaisquer antecedentes ou modelos, mas que se desejava à altura dos princípios humanísticos em vigor, através de um novo modelo de arquitectura eclesial que correspondesse aos anseios de reforma da Igreja e servisse de cenário estimulante de uma religiosidade ideal – e, consequentemente, pudesse actuar como antídoto às tentações do iconoclasmo reformista e de barreira ao avanço cripto – judeu.

Os altares laterais da Matriz de Sardoal, de estilo renascentista, construídos ou nos finais do século XVI ou no princípio do século XVII, por alguma semelhança que têm com os da Igreja de S. João Baptista, de Abrantes, que foi reformada de 1584 a 1633, com traças do arquitecto Pedro Sanches (c/ actividade entre 1584 – 1602), de biografia recentemente estabelecida e labor espalhado por Idanha – a – Nova, Mação e Castelo Branco, são seguramente desta época e a sua concepção e feitura poderá ser atribuída ao artista atrás referido.

A construção da torre deve ser desta época.

No final do século XVII ou nos primeiros anos do século XVIII, é feita uma profunda intervenção na capela – mor, no auge do barroco, com a introdução do azulejo e da talha dourada do altar – mor.

O azulejo constitui o revestimento arquitectónico preponderante em Portugal desde os finais do século XV e a sua utilização intensiva manteve-se até à actualidade, servindo as diferentes forças sociais.

Nos finais do século XVII assiste-se a uma nova fase artística: a arquitectura é substituída pela decoração, a pintura é substituída pelo azulejo, a escultura pela talha. O azulejo é, sem dúvida, uma arte muito interessante e adquiriu em Portugal expressões novas – mas continuava a ser uma espécie de «arte do pobre», apesar do seu desenvolvimento profundamente original no País, apesar dos seus ouros que recobriam as paredes das igrejas, apesar desta criação portuguesa da igreja «toda ouro».

O nome que emerge nas grandes personalidades criadoras do azulejo português é o de Gabriel del Barco, nascido em Siguenza em 1649 e provavelmente falecido em Lisboa em 1703.

A obra derradeira deste azulejador parece ser o revestimento da capela – mor da Matriz do Sardoal.

Manuel dos Santos insere-se igualmente neste ciclo. Discípulo provável de Gabriel del Barco, terminou em 1703 o revestimento da capela – mor da Matriz do Sardoal, iniciado pelo seu mestre.

O que caracteriza a talha barroca dos altares é um conceito de arco do triunfo destinado a exaltar e envolver um «trono de exposição», por vezes uma imagem. O barroquismo surge quando os fustes se torcem num esforço criador de dinamismo, e são essas colunas chamadas salomónicas que lhe vão dar carácter, em geral revestidas de folhagens e pâmpanos, cachos, meninos, aves e espigas: alguns destes elementos têm um significado eucarístico.

A madeira entalhada e a azulejaria foram as expressões ornamentais mais originais da arte portuguesa após o início do século XVI, combinando-se geralmente de maneira fascinante na variedade de efeitos e na transformação e dinamização dos espaços arquitectónicos. Mas, ao contrário do azulejo, cujo papel se exerce na dinamização de superfícies inexpressivas que reveste, a talha tende a preencher e recriar os espaços religiosos com formas fantásticas e imaginativas, criando cenografias altamente teatrais na floração e gesticulação dos elementos arquitectónicos e escultóricos que utiliza. São tão originais e especificamente portugueses os interiores onde os painéis de azulejos a azul e branco são sobrepujados pelas massas insufladas da talha dourada, num fascinante contraste reciprocamente eficaz.

O retábulo dos altares começou por ser uma banqueta utilitária, associada à mesa, que ao longo da Idade Média foi sendo revestida de figuração religiosa. Só nos fins do século XV os retábulos adquiriram dimensão e concepção monumentais, especialmente os de talha policromada, de gosto flamengo, revestidos por inúmeras esculturas e baixos – relevos, ou por pinturas, como terá sido o caso da Matriz de Sardoal. Com a implantação da Contra – Reforma fomentando a devoção e culto das imagens de Santos, proliferam altares no interior dos templos com inúmeras imagens, esculpidas ou pintadas, cenograficamente integradas de modo a captar a atenção do crente.

Os primeiros retábulos barrocos, de estilo «nacional» são formados por colunas salomónicas, sustentando arcos concêntricos de volta inteira. O espaço central transforma-se numa tribuna ocupada por um trono, estrutura em degraus utilizada na exposição da Eucaristia ou de imagens, elemento mantido até ao fim do século XVIII. Estes retábulos são geralmente de talha dourada.