3. Memória da(s) Filarmónica(s)

A Filarmónica ou Banda, como há muitos anos é tratada por todos os Sardoalenses, é uma colectividade secular que teve, tanto quanto sei, a sua origem em 1862, com a fundação da “Sociedade Filarmónica Sardoalense”.

Em 1987, quando das comemorações do seu 125º aniversário, escrevi uma pequena brochura que a Câmara Municipal de Sardoal editou, com o título “MEMÓRIAS DA FILARMÓNICA UNIÃO SARDOALENSE (I)”, obra que se encontra esgotada e que era, necessariamente, muito incompleta.

Retirando desse trabalho alguns aspectos mais significativos, vou procurar agora trazer a público o que entretanto pude colher sobre a história da Filarmónica, especialmente, no que respeita ao período que medeia entre a fundação da “Sociedade Filarmónica Sardoalense” e a criação, em 1911, da Filarmónica União Sardoalense.

No Arquivo da Câmara Municipal existe um livro com a designação: “REGISTO DE AUTOS REFERENTES À ADMINISTRAÇÃO DA FILARMÓNICA”, que tem o seguinte termo de abertura:

Há-de servir este livro para nele se escreverem todos os autos e termos que forem necessários para regular o serviço e boa administração da Filarmónica a organizar-se nesta Vila. Teve seu princípio em 3 de Agosto de 1862.


O Presidente da Comissão: Emídio António Mora

O primeiro documento registado é o seguinte:

ACTA DA SESSÃO PARA A ELEIÇÃO DA COMISSÃO ADMINISTRATIVA DA FILARMÓNICA QUE SE VAI ORGANIZAR NESTA VILA DO SARDOAL:

Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e sessenta e dois, aos três dias do mês de Agosto, nesta Vila de Sardoal e em uma das casas da Administração deste Concelho, sendo para isso convidados foram presentes como sócios da Filarmónica a organizar-se nesta Vila que se subscreveram com a promessa de mil e duzentos réis de jóia e duzentos e quarenta réis de quota mensal, por tempo de dois anos a contar da presente data. os seguintes senhores: Emídio António Mora - Fernando Augusto de Figueiredo - Reverendo Pedro Maria Pereira - António Duarte Pires - José Alexandre David Pinto Serrão - João Saldanha da Fonseca e Serra - Máximo Maria Serrão - Simão Serrão Burguete - Doutor José Maria da Silva Ferreira - Reverendo António da Silva Ramos Ferreira - José Santos e Silva - Francisco de Oliveira Mendonça - Joaquim Batista Rosa - Manuel Gaspar - Pedro de Matos - Joaquim Ribeiro - José Maria da Silva - Miguel Serrão Burguete, todos desta Vila - Joaquim Apolinário Ferreira da Silva e João Vaz Soares, da Vila de Abrantes; não compareceram os senhores - José de Albuquerque do Amaral Cardoso - Reverendo Francisco de Oliveira - Ricardo Frederico Guimarães - Reverendo António da Silva e Moraes - Reverendo Joaquim Manuel da Fonseca Moraes - Reverendo Luís de Oliveira Brigas - Reverendo Francisco Ferreira de Figueiredo - António Batista - João Ribeiro - Inácio Maria Xavier de Oliveira - Reverendo Gregório Pereira Tavares - José da Silva - António Dias Jorge - todos desta Vila; - Reverendo António Rodrigues Falcão, dos Andreus - Manuel Heitor Deus, da Conheira - José Maria Serrão, de Belver - Silvério Marques, da Recez - Sebastião Tavares, do Rossio - Diogo Alexandrino de Figueiredo, de Castelo Branco - António Carlos da Rocha Vieira e Joaquim José Lima, da Vila de Abrantes, tendo contudo mandado pedir desculpa de não poderem comparecer por afazeres, anuindo a tudo o que os sócios concorrentes fizessem a bem da organização da Filarmónica desta Vila e confirmando a promessa da jóiae quota retro-declarada: pelo que se procedeu à leitura dos estatutos que hão-de regular o serviço e boa administração da dita Filarmónica, os quais foram aprovados plenamente por todos os sócios presentes; em seguida nomearam de entre si para compor a Mesa Provisória e procederem à eleição da Comissão Administrativa da Filarmónica, o Doutor José Maria da Silva Ferreira, para Presidente e António Duarte Pires para escrutinador e a mim Miguel Serrão Burguete, para Secretário, os quais tomando os seus respectivos lugares, procederam à eleição por escrutínio secreto, da dita Comissão, recebendo o Presidente, de cada um dos sócios presentes, uma lista que deitou dentro de uma urna, depois do que, todas recebidas, procedeu o escrutinador à leitura d’elas e sairam votados: Fernando Augusto de Figueiredo, com vinte votos - Emídio António Mora, com dezanove, Reverendo Pedro Maria Pereira, com dezoito, Miguel Serrão Burguete, com dezoito, Francisco de Oliveira Mendonça, com onze, António Duarte Pires, com seis, Joaquim Batista Rosa, com cinco, Doutor José Maria da Silva Ferreira, com um, Máximo Maria Serrão, com um e Manuel Gaspar, com um. Pelo que o Presidente proclamou membros da Comissão os cinco mais votados: Fernando Augusto de Figueiredo, Emídio António Mora, Reverendo Pedro Maria Pereira, Manuel Serrão Burguete e Francisco de Oliveira Mendonça, que todos aceitaram o cargo para que foram eleitos.

E para constar se lavrou a presente acta que depois de lida foi por todos assinada. E eu, Miguel Serrão Burgurte, Secretário, escrevi.

(Seguem 35 assinaturas)


ACTA DA ELEIÇÃO DO PRESIDENTE, VICE-PRESIDENTE, FISCAL, TESOUREIRO E SECRETÁRIO DA COMISSÃO ADMINISTRATIVA DA FILARMÓNICA DESTA VILA:

Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e sessenta e dois, aos seis dias do mês de Agosto, nesta Vila de Sardoal e na Sala da Casa para os ensaios da Filarmónica desta Vila, estando presentes os Membros da Comissão da dita Filarmónica: Emídio António Mora, Reverendo Pedro Maria Pereira, Fernando Augusto Zuchenbuch de Figueiredo, Francisco de Oliveira Mendonça e eu Miguel Serrão Burguete, procederam à eleição, de entre si, por escrutínio secreto do Presidente, Vice-Presidente, Fiscal, Tesoureiro e Secretário e saíram votados para Presidente, Emídio António Mor, com quatro votos, para Vice-Presidente, Reverendo Pedro Maria Pereira, com dois, para Fiscal Fernando Augusto Zuchenbuch de Figueiredo, com três, para Tesoureiro Francisco de Oliveira Mendonça, com três e para Secretário, eu, Miguel Serrão Burguete, com três, no que todos concordaram.

E para constar se lavrou esta acta que depois de lida foi por todos assinada.

E eu, Miguel Serrão Burguete, Secretário, a escrevi.

(Seguem quatro assinaturas)

TERMO DE DECLARAÇÃO

Aos vinte e dois dias do mês de Setembro de mil oitocentos e sessenta e dois, nesta Vila de Sardoal e na sala que se acha designada para os ensaios da Filarmónica, onde estavam presentes o Presidente, Fiscal e Secretário da Comissão da dita Filarmónica e mais alguns sócios, foram igualmente presentes os senhores Francisco Augusto Henriques Achemam e José Gusmão de Almeida, da Vila de Abrantes e por este foi dito que desejando pertencer à sociedade da Filarmónica desta Vila, pelo que se obrigavam a satisfazer a jóia de 1200 réis e a quota de 240 réis mensal, por tempo de dois anos, como se acha estabelecido para os mais sócios, por isso pediam, que sendo nisto conforme a Comissão, se lhe abrisse termo para constar e se subscreverem, o que sendo comunicado aos dois membros que se não achavam presentes, todos de muito bom grado os aceitaram como sócios, ficando por isso gozando das imunidades que para os mais se acham estabelecidas.

E para constar se lavrou este termo que depois de lido foi por todos assinado.

E eu, Miguel Serrão Burguete, Secretário, o escrevi.

Igualmente foi declarado pelos Il.mos Senhor Dr. Giraldo Joaquim da Costa - António Joaquim Pinto Cerqueira - Agostinho Francisco Moreira Cardoso, Reverendo Bazílio Neves da Cunha e António Joaquim Gonçalves Vieira, que desejavam pertencer à Sociedade Filarmónica desta Vila, pelo que se obrigam a pagar 1200 réis de jóia e 240 réis de quota mensal, pelo tempo que se acha estabelecido para os usuais sócios, no que a Comissão foi conforme e por isso assinam a sua declaração.

ESTATUTOS PELOS QUAIS SE DEVE REGER A FILARMÓNICA DESTA VILA DO SARDOAL

TÍTULO 1º

DA ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE

ARTIGO 1º - A sociedade denomina-se “SOCIEDADE FILARMÓNICASARDOALENSE” a qual tem por fim promover a instrução e recreio tanto em instrumental como de canto, de certo número de alunos para dizerem em orquestra peças de música

ARTIGO 2º- São sócios todas aquelas pessoas que voluntariamente se inscreveram para satisfazer a arbitrária jóia de entrada de mil e duzentos réis e a quota mensal de duzentos e quarenta réis e bem assim todas as que de futuro forem admitidas pela Comissão.

ARTIGO 3º - Os sócios actuais e os que de futuro se inscreverem são os indivíduos competentes em quem devem recair os cargos e Direcção da Sociedade, contanto que sejam residentes dentro deste Concelho;

ARTIGO 4º- No primeiro domingo de Agosto de cada ano se reunirão em Assembleia Geral todos os sócios; no mesmo dia a Comissão apresentará o relatório dos seus trabalhos, para análise dos quais se elegerá uma comissão de três membros dos sócios presentes que dará o seu parecer no mesmo acto, em Assembleia Geral;

PARÁGRAFO ÚNICO: - Quando não seja possível reunir-se o número total de sócios conforme o artigo antecedente, a sociedade se constituirá com qualquer número deles.

ARTIGO 5º - Depois de satisfazer ao que recomenda o artº 4º se fará a eleição da Mesa futura a qual será composta de um Presidente, um Vice-Presidente, um Fiscal, um Tesoureiro e um Secretário. Durará por tempo de um ano podendo ser reeleita e servir, aceitando;

PARÁGRAFO ÚNICO: - Estes cinco indivíduos eleitos, escolhem-se de entre si para os diferentes cargos.

ARTIGO 6º -Os cinco indivíduos eleitos pelo artigo antecedente compõem a Mesa propriamente dita, cujas atribuições são dirigir os trabalhos da Sociedade e decidir sobre quaisquer objectos da mesma, sendo o Presidente especialmente a manter a polícia em Assembleia e convocar, extraordinariamente, a Sociedade quando para isso tenha motivos ou proposta.

PARÁGRAFO ÚNICO: -Esta proposta poderá ser feita por quaisquer sócios, não sendo nunca o seu número inferior a cinco, que assinando-a a entregarão ao Presidente, declarando nela o motivo que lhe dá lugar.

ARTIGO 7º - Dos indivíduos eleitos pelo artº 5º formarão a Direcção o primeiro e terceiro, cujas atribuições são as seguintes:

PARÁGRAFO 1º -Fazer arrecadar as jóias e quotas mensais de cada sócio já inscrito ou que de futuro se inscrever.

PARÁGRAFO 2º - Convocar os alunos que se julguem necessários para a execução instrumental e de canto, tendo os seguinte requisitos:

1º - Probidade

2º -Aptidão para a música

3º - Naturalidade nesta terra ou nela domiciliado

4º -Com a necessária docilidade para se sujeitar como discípulo às obrigações e regulamento da Escola.

PARÁGRAFO 3º - Apresentar na Sessão Ordinária uma conta corrente de Deve e de Haver que será transcrita num livro da Sociedade e bem assim a conta do custo dos instrumentos já comprados, cujo adiantamento foi generosamente feito pelo actual sócio Fernando Augusto Zuchenbuch de Figueiredo, para a pouco e pouco lhe ser satisfeita pelo remanescente dos fundos da Sociedade e bem assim o custo de quaisquer outros que de futuro se comprem.

PARÁGRAFO 4º - Vigiar pelo bom arranjo e polícia na casa do ensino, podendo delegar este encargo no respectivo Mestre e bem assim pela conservação e asseio dos instrumentos.

PARÁGRAFO 5º - Propor a exclusão de qualquer discípulo que seja inepto para a música ou incorrigível no seu comportamento, o que será decidido pela Comissão.

PARÁGRAFO 6º - Propor novos sócios que satisfaçam às indicações destes estatutos e cuja admissão será resolvida pela Comissão.

PARÁGRAFO 7º - Deliberar de acordo com a Comissão qualquer ajuste para a execução da música em arraial ou festa de Igreja e bem assim as tocatas mensais para recreio da Sociedade e povo.

PARÁGRAFO 8º - Despender as quantias necessárias e indispensáveis para quaisquer despesas.

ARTIGO 8º - As despesas que se fizerem serão satisfeitas pelo Tesoureiro à vista do mandado que lhe for apresentado, indo competentemente assinado por um dos membros da Direcção.

TÍTULO 2º

DA INSTRUÇÃO E OBRIGAÇÃO DOS ALUNOS

ARTIGO 9º - Haverá um Conselho Disciplinar que será composto dos dois indivíduos da Direcção, do Mestre ou Contra Mestre, na falta deste.

PARÁGRAFO ÚNICO - O fim deste Conselho é conhecer da falta dos alunos para lhe serem aplicadas as penas destes estatutos.

ARTIGO 10º - A Direcção com o Mestre da Filarmónica combinarão quantas lições os alunos devem ter por semana, bem como a hora e duração das mesmas, contanto que de oito em oito dias, haja uma reunião para dizerem a compasso e harmonia o que na semana tiverem estudado.

ARTIGO 11º - Todo o aluno é obrigado a cumprir o que estes estatutos lhe impõem e bem assim receber com docilidade as admoestações que lhe forem feitas pelas pessoas competentes para isso, que é o Conselho Disciplinar.

ARTIGO 12º - Os alunos depois de matriculados no competente livro para isso destinado, assinarão no mesmo um termo pelo qual se obriguem à satisfação do que impõem estes estatutos que durará por tempo de dois anos, como garantia que dão à Sociedade que desveladamente promove a sua instrução.

PARÁGRAFO ÚNICO - Este contrato só poderá ser alterado com consentimento da Comissão e aluno, para salvar força maior.

ARTIGO 13º - Os alunos são obrigados a concorrer às lições ou tocatas que legitimamente lhe forem ordenadas, bem como à boa conservação e asseio do instrumento que a cada um for confiado, por que fica responsável, não podendo ausentar-se para fora da terra sem ter sido previamente licenciado pelo Conselho.

ARTIGO 14º - Quatro meses depois de leccionados os alunos devem estes fardar-se, com o seguinte uniforme: Calça de pano azul claro, sendo branca no Verão, jaqueta à cavalaria, de pano ou brixe cor de pinhão, chapéu de pelo ordinário preto, copa baixa, aba levantada na frente, avivado ou debroado de galão amarelo, pluma branca, tombada na frente do chapéu para o lado esquerdo; o chapéu na frente uma lira galvanizada, tendo no centro em gótico dois SS que denominam Sociedade Sardoalense.

PARÁGRAFO ÚNICO - Além do grande uniforme supra descrito poderá haver outro pequeno e à deliberação da Comissão.

TÍTULO 3º

DAS DISPOSIÇÕES PENAIS

ARTIGO 15º - Todo o sócio que perturbar a polícia e boa ordem da Assembleia será advertido pelo Presidente para entrar na ordem e reincidir, o mesmo Presidente proporá à Sociedade a sua expulsão.

ARTIGO 16º - Todo o sócio que por espaço de três meses deixar de satisfazer a quota mensal, será expulso.

ARTIGO 17º - Todo o aluno filarmónico obrigado a comparecer com o seu uniforme como fica determinado nos actos públicos em que lhe for ordenado. Deixando de o fazer pagará de multa, por cada vez, 120 réis.

ARTIGO 18º - Todo o aluno que não levar consigo para qualquer festa ou tocata a sua caderneta de música e que por essa causa deixe de tocar alguma peça pagará de multa, por cada vez, 120 réis.

ARTIGO 19º - Todo o aluno que sem causa justificada deixar de comparecer a qualquer festa ou tocata pagará uma multa igual à parte que lhe competir da mesma festa e sendo gratuita será a multa arbitrada pelo Conselho.

ARTIGO 20º - Todo o aluno que faltar a qualquer reunião tendo para isso sido avisado ou deixar de comparecer meia hora depois da hora marcada pagará 80 réis de multa e 120 réis, excedendo uma hora.

ARTIGO 21º - Todo o aluno que em qualquer festa ou reunião não se apresentar prontamente à chamada feita pelo bombo, como é costume, pagará por cada falta 40 réis.

ARTIGO 22º - Todo o aluno que não puder comparecer a qualquer ensaio e o não fizer saber ao Mestre três horas antes da marcada, pagará 80 réis de multa.

ARTIGO 23º -Todo o aluno que nos ensaios ou actos públicos suscitar disputas desagradáveis e depois de admoestado pelo Mestre ou pela Direcção não entrar na ordem será punido com a multa arbitrada pelo Conselho Disciplinar, conforme a gravidade do caso.

ARTIGO 24º - As faltas cometidas por insulto grave, embriaguez com escândalo, serão julgadas pela Direcção, ouvido o delinquente e podem dar lugar à expulsão dele.

TÍTULO 4º

DO MESTRE E SUAS OBRIGAÇÕES

ARTIGO 25º - A Filarmónica terá um Mestre para ensino dos alunos que lhe forem apresentados pela Direcção, que será pela sua parte, obrigado a satisfazer o que lhe impõem estes estatutos e bem assim:

1º - A fazer a distribuição dos instrumentos pelos alunos conforme julgue conveniente ao bom desempenho e capacidade de cada um.

2º - A empregar os meios ao seu alcance para obter o bom desempenho de qualquer peça de música;

3º - A escrever para o Arquivo da Sociedade todas as peças de música que a Direcção lhe exigir, prontificando esta o necessário papel quer seja música composta pelo mesmo Mestre, quer outra que lhe seja apresentada para a competente partitura;

4º - Acompanhar e dirigir a Filarmónica a qualquer festa ou tocata para que a mesma seja competentemente chamada;

5º-Distribuir alternadamente a parte obrigada das diferentes peças de música pelos discípulos, segundo a aptidão ou inteligência de cada um e em harmonia com o instrumento.

ARTIGO 26º - As disposições penais aplicadas igualmente o são ao respectivo Mestre, na parte que lhe corresponder, sendo em dobro a multa, pois que dele deve partir o exemplo para os discípulos.

ARTIGO 27º - Nas festas ou concertos ajustados em que a Filarmónica tocar, terá de gratificação o Mestre a sexta parte da importância ajustada.

TÍTULO 5º

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

ARTIGO 28º - O produto de qualquer festa ou concerto tocado pela Filarmónica, será arrecadado pelo Tesoureiro da Comissão por uma ordem da Direcção e aplicado às despesas da Sociedade, até que a mesma tenha satisfeito a importância dos instrumentos. Igualmente será arrecadado o produto das multas.

PARÁGRAFO ÚNICO - Os concertos ou tocatas que a Filarmónica fizer, competentemente autorizada, que forem de graça e disso resulte qualquer gratificação, será esta distribuída igualmente por todos os filarmónicos.

ARTIGO 29º - A Filarmónica tocará de graça a música necessária na Festa do Bodo do Espírito Santo e em todas as Festas Nacionais e regozijo público.

ARTIGO 30º - Quando por fatalidade a Sociedade se dissolva e que a Filarmónica se não possa sustentar porque ao menos cinco indivíduos não constituam uma Comissão para dirigir e regular a mesma Filarmónica, os instrumentos serão arquivados na Administração do Concelho ou na Junta de Paróquia se a primeira não existir.

PARÁGRAFO ÚNICO - Os instrumentos assim entregues a qualquer daquelas autoridades voltarão ao uso e recreio logo que se organize na devida forma a sociedade suficiente para deles se utilizar.

ARTIGO ÚLTIMO - Estes estatutos poderão ser alterados as vezes que a Sociedade o entenda, fazendo para isso proposta em Assembleia Geral e passados os dois primeiros anos de existência.

PARÁGRAFO ÚLTIMO - Haverá um contínuo a quem a Comissão arbitrará uma gratificação suficiente para paga do seu trabalho.

Sardoal, 6 de Agosto de 1862

O Livro de Registos que tenho vindo a transcrever tem, ainda, algumas actas de eleição de corpos gerentes e as contas de gerência dos anos 1862/63 a 1866/67.

Resumo apenas o seu conteúdo:

1863-1864 : Corpos gerentes

Presidente: António Duarte Pires

Vice-Presidente: Dr. Giraldo Joaquim Maria da Costa

Fiscal: António Joaquim Pinto Cerqueira

Tesoureiro: Joaquim Batista Rosa

Secretário: Padre Luís de Oliveira Brigas


1864-1865: Os mesmos

1865-1866:

Presidente: José de Albuquerque do Amaral Cardoso

Vice-Presidente: Máximo Maria Serrão

Fiscal: Padre António da Silva Morais

Tesoureiro: Francisco de Oliveira Mendonça

Secretário: Miguel Serrão Burguete

1866-1867:

Presidente: José de Albuquerque do Amaral Cardoso

Vice-Presidente: Máximo Maria Serrão

Fiscal :Padre António da Silva Morais

Tesoureiro: Bento Xavier Moreira Cardoso

Secretário: Miguel Serrão Burguete

Das contas de gerência constam algumas curiosidades:

Foi o primeiro Mestre Pedro Gregório Correia Branco, com o ordenado mensal de 9$600 e foi primeiro contínuo da Sociedade João da Silva Casimiro, com a gratificação mensal de $480.

Existe uma referência à aquisição de um saxtrompa comprado em Abrantes por 9$000.

A primeira receita de uma festa é de 16$000 e respeita à festa do Souto, de que deduzida a parte do Mestre, resultou darem entrada nos cofres 13$335. Registaram-se, também, saídas para Vila de Rei, Tramagal, Carvalhal e Abrantes. Como elemento de comparação direi que um alqueire de azeite custava em Junho de 1863, 1$600, como se vê nas contas, pela aquisição de azeite para iluminar a casa dos ensaios.

Entre 1867 e 1895, não consegui localizar, por enquanto, outras referências à Sociedade Filarmónica Sardoalense.

A primeira referência encontrei-a, no jornal “O ABRANTES”, publicado em 29 de Dezembro de 1895 (Domingo), sob a epígrafe “NOTÍCIAS DO SARDOAL”:

Sr. Redactor

Certo que V.Exª dispõe um cantinho do seu jornal, tomo a liberdade de lhe enviar umas notícias deste pacato Sardoal.

Éden formoso em que as ninfas são belas e sedutoras e os dandis lindos e garbosos, como os lírios das Hespérides.

Aqui tudo é belo e sublime!... A instrução caminha a passos agigantados.

A literatura é cultivada com dedicado esmero e primor; As artes professadas sob todos os aspectos e a religião católica - romana, com o seu Largo à frente conta com um sem número de prosélitos! Belo e sublime, não acham?

No dia 25 do corrente realizou-se na sede da Sociedade Philarmónica Sardoalense, a eleição da comissão que deverá dirigir a Sociedade durante o ano de 1896.

Os eleitos foram:

Presidente: João D. Pinto Serrão

Secretário: António Henriques da Silva

Tesoureiro: Manuel Alves Milho

Vogais: Pedro Barneto Nogueira e João Saldanha

Esta lista foi muito bem recebida, pois os cavalheiros que a compõem são dignos da estima e consideração de todos os Sardoalenses.

Na tarde do dia da eleição a philarmónica foi dar as boas festas à nova Comissão e em seguida foi tocar para um bazar em benefício dos rapazes pobres, promovido por uma comissão de senhoras desta Vila. Foi uma festa agradável.

O bazar continua no dia 1º de Janeiro.

"Festividade do Sagrado Coração de Jesus - Música acompanhando a Procissão. Sardoal, Julho de 1899. P. B. Nogueira, fotógrafo amador"

Porventura uma das primeiras fotografias da Sociedade Philarmónica Sardoalense

A referência seguinte que encontrei, vem no “ECHO DO TEJO”, de 21 de Abril de 1901:

“A excelente Philarmónica Sardoalense tocou 3 lindas marchas fúnebres nas procissões da Semana Santa.”

No mesmo jornal, em 5 de Maio de 1901:

Motivado pelo mau tempo não se realizou como tínhamos anunciado o arraial que devia ter lugar no dia 21 do passado mês de Abril. Transferido pela Comissão, realizou-se no dia 28, apresentando-se o dia verdadeiramente primaveril. Pelas três horas da tarde deu entrada no arraial a nossa Philarmónica que despertou naquela massa alegre e folgazã uma animação tal que tocou as raias do delírio. Formaram-se vários bailes de guapas moçoilas e rechonchudos Romeus que davam uma nota alegre ao arraial.

As Julietas cantavam ao desafio como que a encantar os seus pares de dança.

À noite a iluminação produzia óptimos efeitos dos pontos mais altos da Vila e pela Rua Serpa Pinto de onde se desfrutava melhor iluminação a vista era deslumbrante. A calçada que serve de entrada para o adro do Convento, onde teve lugar o arraial, era ladeada por balões à veneziana, sendo o que produziu melhor e mais bonita vista. Por isto tudo é digna de todo o elogio a Comissão que promoveu o arraial, mas, especialmente, por ter tirado o povo da apatia em que sempre está mergulhado.”

“ECHO DO TEJO” - 9 de Junho de 1901

Consta que vai ser nomeada uma nova comissão para a direcção da Sociedade Philarmónica desta Vila e que tomam parte os seguintes cavalheiros:

-Francisco Augusto Simões - Presidente

-Luís Conceição - Vice-Presidente

-Artur dos Santos - Tesoureiro

-Manuel Lopes - Secretário

NOTA: Sobre Francisco Augusto Simões, vem no mesmo dia e no mesmo jornal, uma interessante nota que não resisto à tentação de transcrever:

O nosso amigo Francisco Augusto Simões, que actualmente aqui reside, acaba de comprar mais uma porção de terreno para maior aformoseamento do seu grande palácio em construção. Este nosso amigo que tanto tem beneficiado o Sardoal com algumas obras de valor e dignas de admiração de quantos o têm visitado, é digno de todo o elogio, pelo muito que tem feito em prol do Sardoal. Sentimos bastante que com a coragem do nosso amigo Simões, não haja no Sardoal meia dúzia de cavalheiros, porque com certeza, dia-a-dia, veríamos a nossa querida terra progredir! Segundo informação que colhemos o palácio que este nosso amigo anda construindo vai ser uma maravilha pois que ele não se poupa a trabalhos nem despesas. Bem haja quem tanto tem ajudado os pobres dando-lhes trabalho! Que veja coroados de bom êxito os seus trabalhos é o que lhe desejamos.

“JORNAL DE ABRANTES “, 3 de Novembro de 1901:

DECLARAÇÃO:

- A nova Direcção eleita pelos sócios da Sociedade Philarmónica Sardoalense em Assembleia Geral de 24 de Outubro findo, vem agradecer a todos os seus amigos tal fineza e pede desculpa de não aceitar tal encargo visto não poder chegar a acordo com parte dos músicos em reunião para que hoje foram convocados.

P’la Direcção: Francisco Augusto Simões

“ECHO DO TEJO” - 24 de Novembro de 1901

É a desagradável notícia que temos para comunicar aos nossos leitores e conterrâneos ausentes.

Não nos surpreendeu este desenlace, que há muito se esperava desde que a nossa Philarmónica sofreu uma bicada de um pavão que por aí estadeia a sua longa cauda.

É deveras para lamentar que esta Vila e o Concelho inteiro estejam submetidos aos caprichos de um homem que vai sacrificando tudo à sua vaidade e ao seu orgulho. E se no Sardoal não cobrar a tempo o jugo que sobre ele pesa verá desaparecer algo que de bom ainda lhe resta, sacrificado à vaidade da nefasta política que aqui impera.

Historiemos os factos...

Em Janeiro de 1900 saiu, em um dia de festa a Philarmónica, por ordem da Comissão Administrativa, a dar as boas-festas aos sócios que contribuíram com as suas quotas para despesas da mesma Philarmónica. Note-se que as boas-festas eram dadas aos sócios contribuintes e não aos nominais.

Houve, porém, um estadista de alto coturno que figurava como sócio de nome, apenas, que quis compartilhar as honras dos contribuintes vendo e ouvindo tocar a música à porta. Como não conseguiu procurou desafrontar a sua vaidade ferida exigindo satisfações aos dirigentes da Música. O desprezo com que por todos foi recebido foi uma nova alfinetada a esvaziar mais e mais aquele saco de orgulho. Daqui nasceu o ódio votado à Música e o desejo de uma vingança mesquinha. E as tricas empregadas pelo senhor destes sítios contra a Philarmónica e a sua comissão regente foram de tal ordem, julgando impróprio da sua dignidade medir-se com tal potentado, houve por bem atirá-lo às moscas e demitir-se para não o aturar.

Ficou, pois, a Música sem Direcção, que atentas as circunstâncias da sua organização e segundo as quais se administrava, lhe eram indispensáveis para continuar a existir. A sorte que a esperava era, portanto, esta: Dissolver-se, porque não há corpo que possa existir sem cabeça, nem sociedade sem direcção. Está, portanto, vingado o nosso homem que jurou guerra de morte a todosque não se prestam a satisfazer os seus caprichos.

Um golpe vibrado pelo seu orgulho deu morte à Música, senão a única distracção que tínhamos nesta Vila e uma nota alegre para as nossas aldeias nos seus dias de festa.

Aqui está para que serve a política que temos ajudado a manter.

É tempo de abrirmos os olhos para conhecermos os nossos amigos.

Sardoal, 16 de Novembro de 1901

Ainda no “ECHO DO TEJO”, de 15 de Dezembro de 1901:

Diz-se que a Música não acabará se o Sr. Simões a proteger. Oxalá assim suceda. Vai brevemente aparecer esta Philarmónica nesta Vila.

É divertir rapazes, tristezas não pagam dívidas.

“ECHO DO TEJO”, 29 de Dezembro de 1901:

BOATOS E NOTÍCIAS

Saiu a tocar em público a nova zanguizarra.

Vinha bem amestrada.

Cuidado com algum pavão.

É de supôr que nas próximas eleições gerais de deputados que se hão-de realizar quando este governo esticar a canela, há-de haver neste Concelho grande apanha de votos. Para os mesmos já os mais importantes vultos da política local fizeram uma larga encomenda de cestas.

E alforges?!!...

“ECHO DO TEJO” - 4 de Maio de 1902

Realizou-se no último 13 de Abril, na Igreja do Convento desta Vila a Festa do Senhor dos Remédios, que todos os anos é feita a expensas da Santa Casa. Esteve bastante concorrida apesar de estar mau dia, contribuindo para isso a circunstância de ser mercado mensal, que atrai a esta Vila, não só os povos do Concelho, como de muitos outros pontos limítrofes.

Tocou a Filarmónica Nova, o que foi muito estranhado por algumas pessoas da Vila, pois que, estando contratada a outra filarmónica, sem mais quê, nem porquê, foi despedida e chamada a nova. A que se há-de atribuir isto? A quem quiser, que faça o comentário.

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No dia 6 (domingo passado) domingo de Pascoela, foi a festa de Cabeça das Mós que este ano excedeu em brilho os limites do costume.

Foi abrilhantada pela velha e popular filarmónica desta Vila que ali foi desempenhar muitas e variadas peças do seu reportório. O Sr. Simões, que é quem dirige esta filarmónica, composta de rapazes de boa vontade, muito concorreu, também, para o maior brilho daquela festa, pois forneceu grande quantidade de bandeiras para adornar o adro da Capela. ‘Nunca na Cabeça das Mós se viu uma festa assim’, era o que todos diziam. Ninguém quis ficar em casa na tarde desse dia. Todos os habitantes daquela aldeia, velhos e novos, saíram de suas casas para virem presenciar o espectáculo que oferecia o adro da Capela. A mocidade folgava por ver o arraial com uma animação desusada e poder dar maior realce à sua expansão juvenil. Os velhos e aqueles a quem os anos, as lutas da vida, já trouxeram reflexões, deixavam transparecer na fisionomia uma tal ou qual admiração.

Todos, enfim, se julgavam agradecidos ao Sr. Simões, que foi, decerto, a alma de tanto entusiasmo.

Nós pela nossa parte aqui deixamos consignados os nossos parabéns ao Sr. Simões pela sua boa vontade em ser útil a esta Vila e pela vida e animação que imprime a qualquer acto em que toma parte.

Bem haja ele pelo muito que está fazendo, a favor desta Vila.

18-4-1902 THOMÉ

“ECHO DO TEJO” - 11 de Maio de 1902

SARDOAL _ CORRESPONDÊNCIA (Sobre o Bodo do Espírito Santo)

(...) No dia 8 já teve lugar a colocação do grande mastro com a bandeira. A direcção dos trabalhos coube ao nosso amigo Sr. Simões, que sem o mais leve incidente concluiu.

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Levantou-se o pau do bodo, assistindo muita gente. Tocou a Velha e popular Filarmónica Sardoalense nas varandas da Câmara Municipal. Há grande entusiasmo com a Festa do Bodo, que promete ser esplêndida, para a qual a Comissão tem muitos donativos.

Logo que o pau foi levantado, certa personagem pertencente à família dos pavões, deu mostras de grande satisfação. Parece que tinha visto no ar alguma nuvem indicadora do desastre para o marco fontanário, situado no meio da praça, com o que não podia estar tranquilo, mas logo sossegou, porque nada ocorreu de maior. Ainda bem.

“JORNAL DE ABRANTES” - 18 de Maio de 1902

FESTAS DE S.TIAGO: Em S. Tiago de Montalegre realizaram-se no passado domingo as festas daquela terra, abrilhantadas pela “A Nova Philarmónica” que executou magistralmente várias peças do seu reportório.


“ECHO DO TEJO” - 1 de Junho de 1902

SARDOAL - AO CORRESPONDENTE DE “O DIA”

São 10 da manhã. Temos na nossa mão a presença de “O DIA” de 14 do corrente que obsequiosamente nos foi fornecido por um amigo, no qual vem inserida uma correspondência desta Vila, que se refere a umas modestas correspondências daqui, que temos enviado ao ‘ECHO DO TEJO’, apreciando de modo pouco lisonjeiro.

Muito longe estávamos nós de pensar que as nossas correspondências escritas simplesmente no intuito de dar notícias do que se passa na terra podiam desagradar a quem quer que fosse e serem dignas da censura do correspondente de ‘O DIA’.

Enganámo-nos. Mas que culpa temos nós que haja no mundo invejosos?... Não o prolóquio que é infinito o mundo da... seja inveja?

No Sardoal também os há. E foi isso que levou o tal senhor correspondente, por si ou levado por outrem a embirrar com as correspondências do ECHO, por nelas se fazer justiça ao nosso amigo F.A. Simões, residente nesta Vila, dizendo-se que ele tem prestado à Vila bastantes melhoramentos e que é digno das simpatias dos povos do Concelho etc... Diz o articulista ‘que não conhece o Sr. Simões. Talvez tenha razão, pois provavelmente traz os pés na terra e a cabeça na lua e por isso não pode prestar atenção a tudo que os restantes homens conhecem e sabem, porque vêem.

‘Cônscios do que escrevemos, vamos verberar legitimamente que são desconhecidos os melhoramentos por este Sr. Simões prestados ao Sardoal.”

Cônscios do que escrevemos; já o mel anda por bocas por onde nunca devia ter entrado.

São desconhecidos os melhoramentos, etc. Bateu certo...

Há certos homens para quem não existe a diferença entre o dia risonho de Primavera ou um triste dia de Inverno. O seu espírito não se extasia as maravilhas da natureza na bela das estações, por não saber reflectir ou não apreciar uma terra civilizada com as suas fontes, seus jardins, suas ruas alinhadas, seus prédios de cores esbranquiçadas onde se revela a mão de artistas, do que uma aldeia sertaneja onde medram os sargaços e as casas se cobrem de colmo.

Contudo haja pão. Tudo o mais para ele está bem.

Tirada a prova, o resto está bem, não há dúvida.

‘O Simões há tempos fez uma demolição de alguns prédios, de modo que hoje há pobres que querem uma casa para habitarem e não a têm.’

Aqui há uma intenção malévola. Mas o articulista terá de ferrar os dentes na calúnia. O Sr. Simões se demoliu os prédios, eram seus. Comprou-os com o seu dinheiro, pagou-os pelo triplo ou o quádruplo, talvez, do que eles valiam, beneficiou os antigos possuidores dos mesmos prédios.

Honra lhe seja feita, porque assim é um benemérito que emprega o seu dinheiro embelezando a Vila e dá que fazer aos operários.

Não temos procuração do Sr. Simões, nem pretendemos lisonjeá-lo. O que escrevemos é, simplesmente, por respeitar a justiça, se bem que a correspondência a que nos referimos é daquelas que não ofendem ninguém.

Passamos à segunda parte, que diz respeito à Música:

Tem o Sardoal uma Música e uma Filarmónica, diz o correspondente: ’A Música é dirigida pelo Sr. Simões; a Filarmónica é dirigida por alguns rapazes nossos patrícios.’.

Sabeis leitores que filarmónica quer dizer harmonia?’

Não sabíamos, não senhor, nem ficamos sabendo, nem podemos saber como é que a palavra filarmónica se compõe de duas palavras e língua diversa que lhe deu tal significação.

Aqui há ignorância...

Mas ainda que a palavra tivesse tal significado era-lhe mal aplicado no caso presente. A filarmónica ou por outra, a nova música, filha da harmonia? Ela que se formou pela desarmonia!!...

Para o que havia de dar ao diabo do correspondente de ‘O DIA’...

Aqui andou iludido ao certo, mas não leve a mal. Todos os homens se iludem.

Agora fique sabendo que o Thomé não é pirrónico: o que escreve é o que sabe ser o sentir da parte sã das cabeças pensantes do Sardoal. (...)

Sardoal, 28 de Maio de 1902 THOMÉ


“ECHO DO TEJO” - 6 de Julho de 1902

SARDOAL

Realizou-se no dia 24 do corrente a festa de Santo António promovida por alguns indivíduos seus devotos a que assistiu muito povo, como não podia deixar de ser. Constou de festa religiosa, de manhã, na igreja e procissão. À tarde houve cavalhadas na praça e arraial, tocando tanto na igreja, como no arraial a Música Nova. Para esta foi armado um coreto na praça onde se viam dois letreiros com a seguinte inscrição: ’Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura’ e‘A união faz a força’. Diz-se que os dirigentes da música pensam em reunir esta à música velha. É o sentido do dito ‘A união faz a força’. Mas também se diz que o pessoal da música velha não está disposto a aceitar a companhia. Do que houver darei informações.

“ECHO DO TEJO” - 13 de Julho de 1902

ANDREUS

No dia 20 do corrente deve realizar-se nos Andreus a costumada festa em honra da Senhora da Saúde, que a Mesa Administrativa da Irmandade, legalmente erecta, deseja promover este ano com o possível brilhantismo e luzimento.

Abrilhanta a festa que consta de peditório, fogaças, missa a grande instrumental, procissão, arraial e fogo de artifício a Filarmónica do Sardoal - F.A. Simões. Este cavalheiro que tanto tem beneficiado as classes pobres deste Concelho, forneceu gratuitamente à Irmandade o seu coreto e bandeiras precisas.

Damos os parabéns porque o Sardoal que se via decair por falta de homens de iniciativa pode conservar-se e até mesmo progredir, se a má fé e sobretudo a inveja de muitos o não fizerem desanimar. Avante, pois Sr. Simões e essa gentalha que por aí vegeta, definhando, empobrecendo, minando as entranhas da terra que lhe foi berço, como o bicho que rói o fruto onde vive escondido, a esses, o desprezo.

E se por infelicidade se encontram, faz-se-lhe como ao réptil asqueroso que por casualidade se encontra debaixo da bota. Esmaga-se! Avante, pois!

“JORNAL DE ABRANTES” - 3 de Agosto de 1902:

ABRANTES/SARDOAL

É hoje que a banda do Grémio Instrução Musical, desta Vila (Abrantes) acompanhada pela sua ilustríssima direcção, vai até ao Sardoal, agradecer à Philarmónica Fraternidade Sardoalense as deferências havidas para ela durante a quermesse realizada no passado domingo.

Consta-nos que a direcção e a banda do Grémio serão recebidas festivamente.

Apraz-nos registar estes actos de fraternidade e boas relações. Diremos, mais uma vez que Abrantes e Sardoal são dois povos que se prezam, que se estimam e que se auxiliam mutuamente. Por isso mesmo a visita a Sardoal dos representantes de uma associação abrantina é duplamente significativa e certamente há-de contribuir para aquelas relações mais se estreitarem.

“JORNAL DE ABRANTES” - 10 de Agosto de 1902

ABRANTES/SARDOAL

Conforme anunciámos realizou-se no domingo passado a visita de agradecimento da direcção e banda do Grémio Instrução Musical da Vila de Abrantes aos seus colegas e camaradas da Fraternidade Sardoalense.

Dissemos então e repetimos mais uma vez que estas visitas tão louváveis, simpáticas, muito contribuem para estreitar relações, sobretudo entre dois povos que hoje, como sempre, se irmanam e se auxiliam.

A Philarmónica do Grémio acompanhada da sua direcção partiu de Abrantes em direcção ao Sardoal, pelas duas horas da tarde, chegando ali às três. Eram aguardados à entrada da Vila por toda a Direcção e centenas de pessoas.

Imediatamente se organizou um cortejo que seguiu até à residência do Sr. Administrador do Concelho, velho amigo Batista Saldanha, onde a direcção apresentou cumprimentos, sendo amavelmente recebidos por aquele magistrado.

Seguiram depois até à sede da Associação, de que o incansável protector Francisco Augusto Simões, um dos poucos que no Sardoal, promove, por meios ao seu alcance, o engrandecimento da terra.

Durante o trajecto queimaram-se imensos foguetes e chegando à sede da Associação ali se achava a excelente Philarmónica Sardoalense, tocando com a nossa os devidos cumprimentos. Em seguida o nosso amigo Patronilho, em nome dos sócios executantes do Grémio, apresentou os seus agradecimentos pela deferência havida com eles por ocasião da quermesse.

Respondeu o Sr. Simões que a sua Philarmónica cumprira um dever de boa camaradagem e então como em qualquer outra ocasião estava ao serviço de todas as causas abrantinas, justas e benemerentes, folgando em ter ensejo em afirmar que não faz uma afirmação gratuita, mas sincera.

Depois de um mimoso copo de água oferecido pela direcção dos representantes do Grémio, de novo se formou um cortejo, então com muito maior número de pessoas até à magnífica quinta do nosso velho e respeitável amigo Senhor Miguel Serrão, onde grupos de belas moças, espalhavam flores sobre os nossos filarmónicos e sobre a direcção do Grémio, ouvindo-se frenéticos vivas a Abrantes e Sardoal, aos protestos sinceros das duas povoações, etc, etc...

A nossa filarmónica, fez então ouvir a Guerra de África, primorosamente executada, o que lhe valeu prolongada ovação.

Podemos calcular que se encontravam ali duas mil pessoas, de todas as condições sociais.

Pouco depois serviu-se um opíparo jantar de 70 talheres ao ar livre, oferecido pelo benemérito Sr. F. Augusto Simões.

Ao toast, os brindes sucediam-se com entusiasmo. Um delírio!

Apareceu por esta ocasião o Sr. Miguel Serrão, sendo recebido com brilhante manifestação de júbilo.

Findo o jantar, as duas filarmónicas tocaram alternadamente num largo na mesma quinta, até às nove horas, vendo-se muitos bailes, reinando sempre muita ordem e grande contentamento.

O Sr. Miguel Serrão convidou então as direcções e vários cavalheiros das suas relações a servirem-se de um delicado copo de água, erguendo-se recíprocos brindes de extraordinária alegria.

Às 10 horas as duas filarmónicas reunidas, executando o hino real e centenas de pessoas seguiram para o Sardoal, trocando-se as despedidas.

O povo sardoalense teve todas as atenções possíveis para os nossos patrícios, o que agradecemos em nome desta terra, onde infelizmente abundam críticos e onde predomina o egoísmo, precisamente o contrário que vemos no Sardoal e mesmo nas freguesias rurais. O nosso Grémio não pôde como muito desejava cumprimentar outras entidades do Sardoal, o que aliás não envolve qualquer desconsideração, atendendo ao pouco tempo de que se dispunha e principalmente ao fim especial da sua visita. É a informação que temos e que reputamos de verdadeira.

“JORNAL DE ABRANTES” -17 de Agosto de 1902

SARDOAL/ABRANTES

A direcção da Sociedade Fraternidade Sardoalense e os sócios executantes da mesma sociedade, agradecem altamente reconhecidos aos seus colegas do Grémio Instrução Musical, as inequívocas provas de sincera estima que lhes têm dispensado e muito principalmente pela gentileza da visita com que os honraram no dia 3 do corrente.

Acções destas deixam no coração de todos inolvidáveis recordações de afectuosa amizade e leal camaradagem.

Ao Exmº Sr. Miguel Serrão Burguete, desta Vila, cavalheiro venerando e em extremo, obsequiador, agradecem a forma cativante e bizarra como cedeu a sua agradável e pitoresca Quinta das Gaias, a fim de que ali se reunissem as duas sociedades, em alegre convívio e fraternal colectividade.

A todas as pessoas que espontaneamente auxiliaram e concorreram para o luzimento da festa, tão íntima e tão sincera, testemunham a sua gratidão.

À redacção deste jornal, cumpre-nos o dever de agradecer tudo quanto o seu número de 10 do corrente se dignou publicar em prol nosso e desta terra, cujas referências exprimem com entusiasmo a forma precisa da ideia que não nos abandona.

Pela Direcção e pelos Sócios da Sociedade Fraternidade Sardoalense.

Sardoal, 12 de Agosto de 1902

O Presidente

Francisco Augusto Simões

No mesmo número:

Esclarecendo

Como esclarecimento à notícia publicada no nosso número de domingo, com respeito ao jantar oferecido à banda do Grémio, na quinta do Senhor Miguel Serrão, pede-nos o nosso amigo Sr. Simões para esclarecer que o aludido jantar não foi oferecido por ele, mas sim, também, por todos os sócios da Philarmónica Fraternidade.

A César...

“ECHO DO TEJO” - 17 de Agosto de 1902

SARDOAL - Correspondência

Foi ontem, nesta Vila, dia de festa. No dia 27 de Julho a nossa popular filarmónica Sociedade Fraternidade Sardoalense, dirigida pelo Sr. F.A. Simões, foi generosamente a Abrantes, tocar na kermesse que nesta Vila se realizou em benefício do Grémio Instrução Musical.

À entrada de Abrantes, a nossa filarmónica que estreava um elegante fardamento oferecido pelo Sr. Simões, era esperada pela direcção do Grémio de Abrantes e foi cavalheirescamente recebida pela filarmónica dessa Vila e muito elogiada por todos, tocando as duas filarmónicas alternadamente.

O Grémio Instrução Musical com a sua direcção à frente, movido de nobres sentimentos que a todos animam, querendo dar um público testemunho do apreço em que tinha a nossa filarmónica, veio ontem ao Sardoal cumprimentar esta e pagar a visita que lhe tinha sido feita na ocasião da festa.

Ao entrar nesta Vila, foram aí, amavelmente, recebidos, como é próprio de pessoas de bem para com os seus hóspedes. Depois seguiram para a Quinta das Gaias, onde houve um lauto jantar a que assistiram as duas filarmónicas e respectivas direcções, sempre muito animadas em presença de muito povo de muitas aldeias que ali se juntaram. Depois do jantar tocaram as duas filarmónicas, alternadamente, as bem escolhidas peças do seu reportório, havendo um arraial, muito animado. Foi um dia alegre para todos, como ainda não houve aqui.

O nosso amigo ilustre Sr. F.A. Simões, é que foi a alma de todo este entusiasmo.

A nossa filarmónica Sociedade Fraternidade Sardoalense, à cuja frente está, para animar, já muito tem prosperado como auxílio que S. Exª lhe tem dispensado apesar das invejas das abelhas zangãos. O Sr. Simões a nada se poupa para fazer dela uma filarmónica digna da confiança que de toda a parte lhe dispensam. São os povos deste Concelho, mais ainda das freguesias mais distantes. Bem haja, ele!

A outra música (a da garrilha) também foi tocar para a Taberna Seca, o que foi muito notado. Disseram que foi para afastar a concorrência da Quinta das Gaias.

Quando lá passámos estavam a tocar e pouco mais do que pardais a ouvir.

Sardoal: 04-08-1902 THOMÉ

“ECHO DO TEJO” - 24 de Agosto de 1902

Acabam de nos afirmar que esta Vila vai em breve ser dotada de um teatro, que será feito a expensas do Sr. F.A. Simões. Oxalá que semelhante boato se confirme e que aquele benemérito não desista de tão louvável propósito. THOMÉ

“ECHO DO TEJO” -14 de Setembro de 1902

Consta que no próximo domingo a música nova aparecerá em público com uma bandeira nova encomendada na Pérsia e que foi com uma cesta de esmolas pedida nos Valhascos. Espera-se que apareça bastante pessoal a presenciar o espectáculo, por isso o festejo é prometedor. O Sr. António Garcia abre nesse dia carreiras a preços especiais para todas as terras vizinhas. É aproveitar! É aproveitar!...

Dizem que haverá cortejo imponente e que a bandeira será conduzida em triunfo pelo ‘pai da música’.

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A música (a da cesta) foi no último domingo aos festejos dos Valhascos e lá voltou a casaca e a cabeça. Não se sabe a que atribuir a mudança. Coisas e loisas...

12-09-1902 THOMÉ

“JORNAL DE ABRANTES” - Domingo, 21 de Setembro de 1902

PHILARMÓNICA SARDOALENSE

Esta excelente banda de música, de passagem para uma festividade que amanhã se realiza no Pego, esteve ontem em Abrantes, onde cumprimentou as autoridades e redacções. Apresentou-se com novos e vistosos fardamentos e trazia um rico estandarte bordado a ouro.

Agradecendo a amabilidade da visita, fazemos votos pela sua prosperidade.

“JORNAL DE ABRANTES” - 27 de Setembro de 1902

CORRESPONDÊNCIA DO SARDOAL

Temos seguido com grande interesse no ‘ECHO DO TEJO’, uma série de correspondências daquilo que recebem do deu autor, uma subtileza e finura de crítica - tais, que nos tem causado assombro.

Não era nossa intenção tomar a sério o escrevinhador das dúzias, que nos tem querido assaltar as canelas, mas a paciência tem limites e visto querer, ir-lhe-emos aplicando, de vez em quando, uma escovadela para ver se lhe tiramos a poeira dos olhos.

O ilustre parodista e correspondente do’ECHO DO TEJO’ nesta Vila, o Sr. Tomé, como à cautela se assina, caluniador emérito, deve ficar surpreendido, mas tenha paciência, a máscara com que se tem ocultado cairá um dia e, então, saldaremos contas.

Como contava o ilustre Sr. Tomé, a música apareceu em público como seu estandarte, como que muito nos regozijamos, não veio da Pérsia e, quanto a ter sido feito de esmolas, temos nisso muita honra: “A pobreza não é vileza”

É simplesmente triste que tão conspíquo cidadão, não tenha percebido que são mais honrosas as esmolas das pessoas de bem, que as grandezas dos beneméritos, que sua excelência por cá tem encontrado. Voltamos ao assunto.

Espera-se que o Sr. Tomé responda às acusações que lhe fazemos, firmando de hoje em dia os seus escritos com o seu nome e que deixe de usar o processo seguido.

17-09-1902O Pai da Música : Abílio da Fonseca Mattos Silva

“ECHO DO TEJO” - 28 de Setembro de 1902

CORRESPONDÊNCIA - AO PAI DA MÚSICA

Sim Senhor!

Mal suponhamos nós que o progresso um dia pudesse ir tão longe. Grandes maravilhas se reservam aos nossos olhos e não será de todas a menor, esta de haver no Sardoal um homem que deu à luz uma música inteira e direita.

O que o progenitor não explica e é pena, é como foi esse parto monstro que roça bem pelas raias da maravilha. Devia ter uma boa hora o parturiente. Ainda assim, quantas vezes sopraria ele na garrafa? Posto isto, vamos lá a ver o que nos diz este previlegiado pai de todos os filarmónicos... Mas agora reparamos. O milagre ainda é maior do que se nos afigura à primeira vista. Pela gramática, parece-nos que se trata antes de um aprendiz de ABC, do que um abençoado pai de tanta gente junta.

Eis uma amostra: O correspondente do ECHO deve ficar surpreendido, mas tenha paciência, a máscara, ora isso é que é um engano. O correspondente não ficou surpreendido com a máscara. O que ele ficou surpreendido foi com a mascarada, com um pai de tantos e tão grandes filhos - pessoa sisuda, certamente, espere que se responda às acusações que o Sr. Abílio faz.

Foi coisa que não vimos no escrito do Sr. Abílio, foi a acusação a que tenhamos de responder. Sua paternidade limitou-se, no meio de 30 linhas que serziu, que tem seguido com interesse as nossas correspondências do Sardoal - obrigado - a explicação que ‘a pobreza não é vileza’ e a confessar que era o pai da música. Nada mais. E como a acusação que mais nos deu no goto foi esta última, sempre deduzimos a nossa defesa como pudemos e soubemos. Contestamos-lhe que seja o pai da música. Provará primeiro que trouxe ao mundo os músicos com instrumentos e tudo. Sem isso não podemos crer em tal. Que o seu ventre despejasse de uma assentada 20 músicos na urbe terrestre, com trompas, contrabaixos e tambores, já nos parece história. E os pratos e a zambumba? Pode lá ser!... Entretanto nos tempos modernos já não há impossíveis. Mas sem uma demonstraçãozinha, ainda que pequena, é como cova de abóboras semeadas ao rego. Bem faz, pois Sr. Abílio, em prometer que há-de continuar, para nos convencer da sua proliferação multiforme. De resto, é provável que naquele respeitável e prolífero fole, haja tamanho para dar filhos em barda e de toda a casta.

Mas, meu velho, deve ser um tal ventre para se diferenciar em tanto e vário mister, mais velho que a própria eternidade.

Até dá vontade de exclamar, como o poeta:

Quando a velha eternidade

Por este Abílio passou

Disse-lhe respeitosa

Sua benção, meu Avô!

E por último pedimos aos nossos ouvintes um Padre Nosso e uma Avé Maria, para que Deus não se lembre de levar esta raridade tão depressa. Porque se um dia quisermos fazer uma música já sabemos a quem havemos de recorrer e fecundar.

E por hoje, nada mais. Cá ficamos esperando mais dois dedos de graça do Sr. Abílio- O Pai da Música.

THOMÉ - Neto do pai da Música da Cesta.

“ECHO DO TEJO” - 5 de Outubro de 1902

SARDOAL - CORRESPONDÊNCIA

Há aqui certa individualidade vinda da aldeia e que sempre em tudo tem patenteado o tipo de verdadeiro aldeão. Um dia um dos seus amigos de boa roda que há tempo aqui havia e que começou a frequentar, diz-lhe: Homem! Você usa todos os dias uma farpela que não é própria cá da Vila. Na sua posição precisa de usar outra coisa. O que lhe fica bem é um fato completo de sobrecasaca, botas em vez de sapatos e um chapéu alto, para ser mais considerado na sua posição. E foi dito e feito. Passados poucos dias o fato apareceu e tão ajustado que nunca mais o largou. O bom do homem tomava a encadernação pela manhã e só a largava à noite. Era para a Vila, era para o termo, era para casa, era para o passeio, etc., etc.

Pois Srs., este homem, já lá vão bons 20 anos, depois disto suceder, foi agora copiado por uma música que existe nesta Vila já há algum tempo. Depois de gerada e dada à luz, a música passou os dias da infância e meninice, envolvida em faixas e paninhos, tratados pelo seu pai e padrinho com todos os cuidados devidos a uma existência tão delicada.

Depois quando já se lembrava de alguns dias decorridos da sua vida, assim como os rapazes quando chegam ali pelos 12 anos, já querem usar modos de homem feito e querem um fato, porque se envergonham do saiote ou calção, lembrou-se o pai da criança de lhe dar um fato de chita, com alamares e mais apêndices. Mas ainda não bastava a alta progénie donde provinha a recém-nascida.

Os filhos do morgado devem ter mais alguma coisa do que os filhos dos burgueses. Pareceu a sua paternidade que uma bandeira à frente da música era coisa que deslumbrava toda a gente e veio a bandeira. Muito bem! Muito bem! Diz toda a gente e a menina que gestou que diga que é bonita, lá vai de bandeira à frente para toda a parte e para o termo e para o Concelho. Assim fazia o indivíduo de outros tempos com o fato novo.

“JORNAL DE ABRANTES” - 12 de Outubro de 1902

CORRESPONDÊNCIA DE SARDOAL

Meu caríssimo neto

É com o maior prazer e satisfação que te vou responder, pois não calculas as saudades que tinha das tuas notícias.

Pelas apreciáveis emanações do teu subtil talento, bem revelas o lusitano sangue que te gira nas veias e se continuares assim, crê, que virás a ser a honra dos teus maiores.

Sinto-me compungir-se-me o coração quando me recordo dos suaves instantes que passei com a tua avó (meu amantíssimo neto) e que alegria doida ela teria em ver que um filho dum fruto de uns amores tão ideais viria a ser um redentor da pátria oprimida, qual Gama ou Albuquerque, que de pena em punho obrará façanhas sem igual!...

Pobre pateta e meu caríssimo neto!...

Quem te poderá levar a sério?...

Então tu tinhas a ousadia de me quereres dar lembrete em gramática, meu mariola?!...

Não se falta ao respeito ao avozinho e nem se ataca com baldas certas, por outa não me deves ser ingrato pois bem sabes quanto te estimo e o prazer que sentiria em te poder puxar as orelhas.

Mas, enfim, bem se vê, que tens presente na mioleira algumas das regras que o mestre escola te ensinou, apesar de te escaparem outras, pelo que mereces palmatoadas.

Repara bem, que encontrarás no que escreveste vários pontapés na gramática!

Mas ainda agora reparo!... Não te conhecia a bossa poética. Cultiva-a, menino, que virás a ser um génio.

Mas sempre te direi pela prosa vais melhor e termino esta, desejando-te que sonhes bem e ao mesmo tempo peço-te vénia ao autor, para te consagrar o seguinte soneto, imagem perfeita das tuas avariadas prosas.

O original vai um tudo nada modificado, mas não perdes com isso.

I

Fanfarronices, farófias, bagatelas

Galhasdíferas naus, ondas letárgicas

D’Apelética mão, pinturas trágicas

Trambulhões altos, couces, cambadelas


II

Polvorias bombásticas, panelas

Cheiros típicos, prados, flores vergiais

Vozes sexiquepedais, espalhofórgicas

Cutelos, dardos, chuços, esparrelas

III

Mimidórmicos povos, Deus Cambraias

Do faético amante, auxílio imploro

Pavilhão azulado, ignoto mais,

Choro, morro, cangueio é desaforo

Aqui firo, ali mato, acolá caio

Eis as tuas prosas Thomé? Era

Um pobre palerma a quem se lembram

Atribuir uma tradução de Horácio,

De Rita Clara Freire de Andrade

IV

Adeus, meu patetinha das luminárias

Não tornes a cair noutra e aceita

Muitos beijinhos do teu Avô


Abílio da Fonseca Matos Silva

“ECHO DO TEJO” - 12 de Outubro de 1902

BOATOS E NOTÍCIAS

Mestre Abílio, o progenitor célebre e magno do Sardoal, não nos explicou como se diferenciaram tão maravilhosamente as aptidões genéricas do seu ventre. É velha demais; por isso não admira que tenha falta de azeite nas molas da palavra que lhe demos. Daí o cansaço prematuro. Admira como não inspirou nas faculdades da cesta. Esperamos por ele. Até ver não é tarde.

CORRESPONDÊNCIA

Um pai tinha uma filha rabugenta que roçava aí por 23 primaveras. Diz-lhe um dia: - Oh! Menina é tempo de passares a outro estado. Isto assim não está bem! Trata de te mostrares para te conhecerem. Oh! Meu pai, que devo eu fazer? Para sair são precisos vestidos da última moda e eu não tenho. Envergonho-me de sair!

Oh! Filha, não me digas tal coisa. Tu, uma morgadinha como és, estares em casa por falta de vestidos, é coisa que eu não consentirei. Tu és filha única, tens a esperar uma boa herança do teu pai; o padrinho estima-te. Hás-de casar, hás-de ter muitos pretendentes. Vou comprar-te um fato novo, melhor que o das outras moças e veremos...

E era ver os dois de festa em festa. O pai a querer que a filha fosse a mais galante e apreciada. Oferecia-a a todos. A palavra, a sua gentileza. Os leitores sabem quem são estas duas figuras?

A música que chamam a da cesta, também assim fez. Nasceu, criou-se e assim ia vivendo sem ser vista, sem ser conhecida, sem ninguém dar por ela e sua existência. O que o quietismo em que ela se conservava. “Não pode ser isto!”-dizia.

Todas as mulheres vão às festas, todas são procuradas e ninguém se lembra da minha filha?!... Pelas minhas barbas e pelo valor e importância do padrinho, meu compadre, a minha filha ainda há-de figurar. Há-de casar-se com a opinião pública de um modo que as outras ainda não conseguiram.

Vai ter o que as outras ainda não tiveram. Compro-lhe uma bandeira. Com este estandarte fará o pasmo e admiração de todas as pessoas deste Concelho e vizinhos e toca 30 peças em cada dia. Que feliz lembrança a minha!... Veio a bandeira e a menina aí anda toda repenicada, em companhia do pai, em busca do noivo.

Se alguém a vir para aí para Vila de Rei, digam que o padrinho manda para lá dizer. Se souberem que aí há algum noivo festeiro que queira casar com a nossa afilhada, cá está.

Diz mais que o padrinho vai pedir satisfação a quem pedir outra música, que não seja a afilhada.

Querem casar a menina custe o que custar, mas ainda é muito criança...

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Lá foi no domingo a caminho das Sentieiras a bela música com a sua bandeira. Não a larga. Não sabemos se ainda vai a cesta. E o original em lembrança: A família, o pai e o padrinho, quiseram mostrar à força do seu génio na criação e formação da donzela e deram-lhe para guiar o seu ideal as seguintes palavras, jápor demais conhecidas:’ A união faz a força!’ Dizem que a menina vai bem ensinada. Fez a vontade ao pai e padrinho. Dizem que para realizar aquele ideal, já dois ou três ou mais, se uniram de braço a braço para avaliar a força. Não sabemos se é verdade, porque não vimos. Boa te vai: União!

THOMÉ

“ECHO DO TEJO” - 19 de Outubro de 1902

CORRESPONDÊNCIA - O PAI DA MÚSICA

Quem espera sempre alcança. E tanto que ele vem trazer novas de longes terras, onde esteve duas semanas de parto.

Boa hora, sem dúvida, foi a que aquele cérebro deu à luz em oratório tão longo. Outrora gemeu - o ventre e o útero deste prometedor Sardoalense. Agora, cansado de gerar tantos ossos e latões, deu a palavra ao miolo, diamantino produtor de pérolas raras que nos deixam embasbacados e perplexos.

Ambos respeitáveis, sem discussão, bem é de ver que são filhos da mesma barriga. Quando o primeiro atirar para o níveo lençol de purpúrea camilha, com o contrabaixo ou um clarim, o outro depõe uma folha tibuciana de valor, uns ovos como ‘pendant’ naquele cerebrino intelecto.

Duas verdadeiras preciosidades. Ora vamos lá a elas e tratem-nas bem no que ainda parecem que façam a sua vista e ocupam o seu lugar num museu arqueológico de coisas pátrias.

Primeiro que tudo, não sentimos que o pai da filarmónica nos não elucide sobre se a sua partiturição veio ou não toda do mesmo ventre. É natural que o latão viesse por um caminho e a caixa de arrufo viesse por outro.

São quindins que sua paternidade tem por destrinçar com vagar, em honra da ciência físico-química. Logo a seguir vem a talhe de foice saber se o neto é Albuquerque ou Gama ou se enverga a carapuça de pateta ou mariola e se leva a sério ou a rir... Lembra-nos o tira, rapa, deixa e põe. Nós, também, quanto mais rapamos, menos achamos. Pelos 30 instrumentos e outros tantos músicos (fora a bandeira) ele desovou. Supúnhamo-lo já velho e avô da eternidade. Por volta do resto, porém, depois do soneto ao Isidoro, parece-nos antes um émulo do menino venturoso de Montargil! Troque-nos isso por miúdos, como foi isso do parto, que aí é que bate o ponto. Depois se esclarecerá se nos concede as honras de Gama, de Albuquerque ou de mariola. Diga na sua nova epístola, qual a orelha que deseja para ferrar a unha a rir? Não se esqueça de dar saudades à requinta e ao clarinete e chôcho aos pratos. E visto que o velho menino Abílio está todo ancho com o seu soneto, a ponto de lhe pôr em baixo o nome do autor e nos aconselha as musas, aí vai um mote. O menino velho dirá se gosta, para lhe mandar a glosa:

Valha-nos Deus, este Abilinho

Para ser novo tem cara de velho

Para ser velho, é tão pequenino

Valha-nos Deus, com este Abilinho...

Porque é, na verdade, o que nos saiu o Sr. Abilinho - um novo com cara e jeitos de velho. Por outra, um homem com dois e mais um, menos três.

E por agora até à volta.

THOMÉ

“ECHO DO TEJO” - 20 de Outubro de1902

O APARECIMENTO DAS COTOVIAS

Durante a última semana andaram alarmadas algumas pessoas do norte desta Vila, por uma coisa que tinha muito de extraordinário. Foi o caso que por ali se viram muitas cotovias espantadas e estonteadas fugirem ali do lado das terras e denotarem nos voos e no modo de pousar grande medo e terror.

Julgavam algumas pessoas que seria qualquer alteração da natureza, adivinhada por aquelas aves. Veio-se a saber que a verdadeira causa de se espantarem as cotovias foi a “Música da Cesta” e a bandeira, quando voltava das Sentieiras. Aí por alturas das terras desenrolaram a bandeira e leram o dístico: ”A UNIÃO FAZ A FORÇA”. Num momento de inspiração alguns dos músicos conceberam de tocar uma peça de força, obrigada a caixa e zabumba. Foi uma peça original que só a bandeira podia lembrar. Zabumba, caixa de alamares, “bonett”, tudo entrou na dança e foi tal o “charivari” que as cotovias, temendo alguma catástrofe no deserto, vieram fugindo para o povoado. Ali está a explicação do caso que foi engraçado pelo preconceito que nele fizeram as pessoas timoratas.

Quem não gostou foi o velho zabumba que em vez de ficar a descansar alguns sábados a caixa, consta que vai ser remetido a Rilhafoles, por não estar em estado de figurar e os alamares e “bonett”, diz-se que também vão à forja.

E digam que a União não faz a força, que lá está o pai e padrinho e afilhada, a demonstrar o contrário!...

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A nossa popular e acreditada filarmónica - Sociedade Fraternidade Sardoalense - foi muito bem recebida em Vila Velha de Ródão, onde foi fazer uma festa no dia 5 do corrente mês.

17 - 10 - 1902 THOMÉ

“ECHO DO TEJO” - 26 de Outubro de 1902

Meu Avôzinho

Cá ‘arrecebim’ a sua carta por mão do “Jornal de Abrantes”. Muito estimei saber novas suas. Já há muito que esperava a sua carta e pela demora julguei que o Avôzinho estava engasgado. A respeito de puxar as orelhas, parece-me que o Avozinho não era capaz de fazer isso, nunca lhe vi tão mau génio! Ora vá, diga lá! O Avozinho não disse aquilo, pois não?

Aquilo cheira muito a tanino e o Avozinho é muito brando para essas coisas. Também nunca conheci no Avozinho, predilecção pelas letras e por isso entendi que o Avôzinho mande fabricar a Coimbra todos aqueles mistifícios de palavras que para aqui me envia, mas eu bem sei quem fala. Ora o Avozinho a dizer que não me conhece?!!! Olhe, eu não acreditava nisso. Sempre esperei muito dos seus talentos e mais me fez crer que o Avozinho não disse tal coisa, a não ser que lhe ensinasse algum filho de Apolo. Seja como for o Avozinho é um mero criador de enjeitados, porque lá dizem todos que dá o seu nome a escritos que não lhe pertencem. Ora diga lá Avozinho, isso é verdade? Ande, diga - talvez isso viesse com as caixas e latões e se não que deixou por aí tantos metais, bem pode uma testa de ferro para servir de jogo dos que com ela se querem divertir. Hoje fico por aqui Avozinho. Se me quiser escrever outra vez, cá eu espero, mas mande-me coisa que se veja, porque a primeira carta parecia obra do Manelzinho.

23/10/1902 THOMÉ

“ECHO DO TEJO” - 16 de Novembro de 1902

CORRESPONDÊNCIA

Têm baixado há duas semanas os fundos da música-menina. Diz-se que as relações exteriores não vão bem. A menina desde aquela festa dasSentieiras, não se mostra. Quis há dias ir aí para os lados das Sentieiras, mas a menina apareceu coxa nesse dia e não passou da Praça. Está em tratamento ali na Praça, onde recebe uma cataplasma todos os dias. Estimam-se as melhoras dela.

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Já alguém viu o Júlio António Lopes? Sabem-nos dizer onde mora?... É magro ou gordo? É baixo ou alto? Escreve bem ou mal? Pelo dedo se conhece o gigante. Aquela célebre carta enviada daqui ao regente que estava contratado para a nossa popular filarmónica Sociedade Fraternidade Sardoalense, está mesmo a dizer que deve ser um homem bizarro. Também podia chamar-se António, Luís ou João Francisco.

Se os irresponsáveis pudessem dizer coisas de crédito...Mas talvez possam, porque ao menos não alteram nem inventam. Querem alguns dos nossos leitores ver aqui uma zurzidela no tal Júlio António Lopes. Mas se nós lhe aplicássemos uma untura bem forte e bem temperada, o pobre não aguentava. Para castigo já basta o fiasco medonho e a triste figura que tem feito. Ferrava os dentes numa cortiça e só merece a troça que tem recebido.

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Tem sido muito comentada em vários centros de cavaco, a visita feita à casa do ensaio da música, por certa individualidade estranha, a protestar de lá se encontrar uma velha peça com que nada tinha. Pois sim, são verdes! Não se podem tragar!...

Bem te conheço.

“ECHO DO TEJO” - 21 de Dezembro de 1902

A BODA DA MENINA

A música nova (a da menina) festejou no dia 14 o seu aniversário natalício. Era domingo. À hora oportuna reuniu na praça desta Vila acompanhada da sua inseparável menina. Tocou as 30 peças do costume em cestas - o mestre dirigente solta com um discurso que parecia Demóstenes, ao que dizem. Foi ouvido de pé e barrete na mão por uma ordem superior. Dizem que mandou o pai da menina.

À distância que estávamos nada pudemos perceber do discurso. Dizem outras pessoas que foi o maior elogio que se podia fazer a esta música...Entre outras coisas, dizem que o discurso tinha o seguinte: Que festejavam naquele dia a fundação daquela música, formada há um ano pela boa vontade dos seus músicos (apoiados dos compadres), que o Sr. Abílio era o homem mais prestante do Sardoal (bravo!) por ter criado aquela música que ali estavam vendo! Que aquela era uma música às direitas (isso, isso) que tinha começado pequena como as formigas e que estava naquele estado e que ainda ia crescer (upa!upa!Vai mais).

Isto é o que nos dizem e parece que os homens chegam ao que queriam. Formaram-se para rir e parece que fizeram rir bastante. Muito obrigado pelos alegres momentos que nos trazem. Ainda não vimos coisa mais engraçada. Cada vez que saem com uma das suas é um riso por todos os lados. Ainda bem, nem todos conseguem o mesmo. Acabada a festa da música e informado o público do que se tratava fez-se a boda da menina. Houve banquete, soiré e muitas mais que convinham à princesa. E dizem que a sala da festança não desmerecia nada da menina e suas galas. Em uma das paredes dizem que estava o retrato do pai da música, cercado de louros, oferta dos músicos, que por baixo lhe puseram o dístico ‘Ao nosso querido paizinho’. Bons filhos, bem ensinados, bem empregadas lições que têm recebido! Toda a gente se admira desta criação. Se não é desmandarem, ainda havemos de vê-los conduzir o paizinho em triunfo, pelas ruas, às costas, vestido de louros. Isto fica para outro dia, quando fizer os dois anos do nascimento da música. Então, sim, é que há-de ser bonito e também a menina há-de estar mais gordinha. E hoje fica por aqui.

6/12/1902 THOMÉ

“ECHO DO TEJO” - 24 de Maio de 1903

SARDOAL - Correspondência

O assunto de todas as conversas nesta Vila é o fiasco da “música da cesta” nas festas das Mouriscas no último domingo. Foram lá buscar lã e ficaram pelados.

Para aquela festa foi convidada a dita música da cesta, com a sua menina (sem esta não vista). E quem sabe isto não foi feito de encomenda. Festeiro e festa para a dita se mostrar?

Mas vamos ao caso: Os geradores da cachopelha, que não comem bem, por verem a popularidade da acreditada filarmónica Sociedade Filarmónica Sardoalense, ofereceram aos festeiros 6 000 réis e uma fogaça para a festa, se ela convidasse esta filarmónica e ela aceitasse. O fim de tal oferecimento está à vista.

Dito e feito! Lá vai a filarmónica sem medo de fumaças de quem quer que seja.

Mas, lá te quero apanhar! Quando a cerimónia da igreja acabou é que foram elas.

A da cesta, com a sua menina à frente, desata a tocar que parecia uma trovoada, com o fim de cansar e vencer a nossa filarmónica!...

Mas, oh, desgraçada sorte! Em alturas tais, o mestre general entrega a espada e toca a retirar o resto. Dizem que ficou um só a tocar pífaro, em cima de uma parede. O que não sei e tenho pena de lá não estar para apreciar o espectáculo, que devia ter pilhas de graça. A maceta do bombo chegou por mãos estranhas que a vieram trazer à filarmónica da Sociedade Fraternidade Sardoalense que não arredou pé e ficou sempre no seu posto a tocar. E o general, vencido, entrega a espada. Deviam entregar também a menina, visto que nem a presença da cachopelha puderam vencer. A festa das Mouriscas foi um certame musical que devia ficar assente na cabeça da música da cesta, para não se meterem noutra.

Que dirão disto os progenitores dela? E o pai e o tio-avô? Consta que um andava nas Mouriscas murcho que nem uma papoila seca! Queriam tirar lã, mas ficaram sem pelo. Na segunda seguinte a nossa popular filarmónica foi tocar à Quinta das Gaias, onde foi muito bem recebida.

A outra também ali passou com alforges e um couro num burro (consta que os alforges levavam batatas que foram semear e o couro água para regar alfaces.)

Mais queria dizer, mas são horas do correio. Fica para a outra vez.

A nossa filarmónica, habilmente regida pelo Sr. Vicente Monteiro Galamba, tocou hoje na praça, onde foi muito aplaudida pela boa execução das suas peças.

“JORNAL DE ABRANTES” - 7 de Junho de 1903

SARDOAL

Com toda a pompa realiza-se nesta Vila nos dias 13 e 14 do corrente a Festa de Santo António para o que já há preparados grandes divertimentos. Abrilhanta toda a festa a excelente banda de música ‘OS CIGANOS”-Philarmónica Nova, para o que estão ensaiando um reportório à altura dos créditos que esta banda está gozando. Não publicamos já o programa pelo motivo de os festeiros ainda não o terem elaborado.

“ECHO DO TEJO” - 14 de Junho de 1903

SARDOAL - Correspondência

As festas do Bodo foram este ano de uma pompa desusada e deixaram a todos que as presenciaram as melhores das impressões. Uma coisa que atraiu para estas festas muitas simpatias foi o bodo dos pobres que se realizou por proposta do Sr. Simões, sendo contemplados 100 pobres de todas as freguesias do Sardoal. O Sr. Simões tem-se mostrado amigo desses pobres, a quem beneficia com as obras que tem construído nesta Vila e tem feito muito bem dando pão a muitas famílias e fazendo muito bem à nossa terra. Bem haja!

A nossa acreditada filarmónica apresentou-se nas festas que vamos referir, com um instrumental novo que o Sr. Francisco A. Simões trouxe de Lisboa, no qual se viam alguns instrumentos modernos, despertando, por isso, muitas atenções de todos. A nossa filarmónica com os melhoramentos que tem introduzido vai correspondendo à geral estima em que é tida. A grande prova do seu merecimento deu-se na festa da Mourisca onde foi no dia 17 de Maio.

A música da cesta que agora adoptou o nome da música dos ciganos, bem lhe assenta, principalmente desde o último domingo, em que um burro, segundo se diz, desafiou-a para a dita festa pensando dar-lhe uma batida, mas a nossa filarmónica mereceu as simpatias gerais, pela maneira como se desempenhou. A prova é o modo como a população das Mouriscas se manifestou para com a nossa filarmónica. A música da cesta ou dos ciganos levou de encomenda uma fogaça para lhe ser entregue depois da festa, querendo significar que tinham ganho a fogaça e a vitória, quando ela lhe saiu do bolso ou de quem lhe dirige todas estas manobras. Mas em vez de merecerem a fogaça, mereceram as antipatias gerais. Como se vai ver. O povo das Mouriscas, representado pelos seus festeiros, conhecendo a história da fogaça, espontaneamente, veio oferecer uma bela fogaça à nossa filarmónica, percorrendo com ela, acompanhada da filarmónica, no último domingo, as ruas desta Vila. Foi um triunfo completo. Parabéns à filarmónica!

Por ocasião das festas do bodo recebeu a filarmónica, de um amigo, mais um belo carneiro enfeitado com fitas. A música da cesta quer imitar a nossa filarmónica, como não recebe carneiros, porque ninguém lhe oferece. Mas, enfim, cada um tem o que merece...

A música da cesta teve presente no domingo. Foram aos Mógãos e lá deram-lhe um burrito de dois dias, que eles trouxeram num caixote. Diz-se que o foram preparar aí algures, não sabemos onde, nem para quê, não que não os deixaram concluir a função. Está na conta, a fazenda dos ciganos são os burros.

Esta música devia ir tocar todos os meses ao mercado de Santa Cita, para chamar freguesia...

“ECHO DO TEJO” - 21 de Junho de 1903

Foi aqui muito estranhado este ano a música dos ciganos ir tocar à procissão do Corpo de Deus. Não se sabe bem a que atribuir isso e algumas pessoas apresentam motivos vários. O que todos sabem é que a dita música foi por consentimento da Irmandade e tocou alternada com a nossa filarmónica. Já nos disseram e parece que dizem algumas pessoas que a Irmandade falou àquela música para agradar ao Dr. Felicíssimo que é, dizem muitos, o chefe encapotado da mesma música (a dos ciganos) e já não estava contente por ver que a desprezavam. Nós temos pensado bem no caso e não parece que isso seja verdade. Não acreditamos que o Sr. Dr. Felicíssimo esteja metido nesta música dos ciganos.

O Sr. Dr. Felicíssimo é um homem que na sua posição de médico deve colocar-se acima de baixas questões e não deve querer que o seu nome ande misturado nestas questões de ciganos (até este nome repugna), o Sr. Dr. Felicíssimo é um homem que tem um curso superior e que é ilustrado, que deve conhecer bem a posição em que se colocava envolvendo-se nos negócios dos ciganos. Se o fizesse daria prova de falta de senso que ninguém lhe desculparia. Por isso não se pode acreditar que o Dr. Felicíssimo ande envolvido nestas questões, ou seja protector da música dos ciganos, embora seja aparentado com o chefe dessa música.

Mas deixemos isso. Damos de barato que isso fosse verdade, que não é viável.

A Irmandade não podia nem devia aceitar imposições de ninguém, fosse quem fosse. E cremos que os indivíduos que compõem a Irmandade têm a independência bastante para repelir qualquer imposição contra a sua liberdade. Não acreditamos, também, que a Irmandade aceitasse essas imposições, se alguém tentasse fazê-las.

Mas deixamos isso mais uma vez. Apreciamos o que aconteceu. É certo que a música dos ciganos foi tocar à procissão, que todos viram. E a opinião de muitas pessoas é de que não devia ir. Temos uma filarmónica decente e honesta, que tem vivido em paz nesta Vila, que vive com muita independência e que nunca provocou desordens e que tem merecido as simpatias gerais, tem satisfeito cabalmente, o que dela se exige em todas as festas. Que necessidade havia de chamar para tocar na procissão uma música que não só tem as antipatias gerais, mas tem sido provocadora dos ódios e ditos que por aí correm e que além disso adoptou um nome que, por si, basta para que não seja chamada para actos sérios - o nome de ciganos.

Responda quem souber. Do que apurarmos diremos mais alguma coisa.

A música dos ciganos também no domingo último fez a sua festa de Santo António. Já que não a chamam para tocar e eles querem mostrar a sua arte fazem eles as festas e chamam-se a eles próprios para mostrar as suas vozes. O fogo preso é que deixou muito a desejar. E dizem que tinham melhor fogo preso que a festa do bodo. Tudo saiu furado a estas pessoas e por mais que queiram agradar não conseguem. Eles bem querem, mas não são capazes: Isto é um dito de um homem do termo; Outra coisa, outra coisa, digo eu, e até para a semana.

17-06-1903 THOMÉ

“JORNAL DE ABRANTES” -14 de Julho de 1903

FESTAS DE ABRANTES

Inscreveu-se no certame das Festas de Abrantes, a Philarmónica Sardoalense (a Nova). Aderiu ao certame não com a ideia de colher e cingir os louros da vitória, mas para os philarmónicos que constituem a Philarmónica Sardoalense (a Nova), ocorram a dar brilho a uma festa promovida pela benemérita Sociedade Soares Mendes, cujos fins altruístas lhes calam no ânimo e a que prestam a merecida homenagem.

Que a modéstia dos seus recursos artísticos, não emparelhando com a boa vontade e bons desejos, não consente que o seu concurso aumente o brilho, o esplendor e valor do grandioso festival de Agosto.

Serão uma parcela mínima, mas desculpar-se-á a pequenez por não se negarem à chamada. O que faltar em arte, sobejará em boa vontade.

A Banda da Fraternidade Sardoalense por intermédio do seu zeloso presidente oficiou sentindo que os compromissos para algumas festividades, tomadas antes de conhecidas as condições e realização do certame, a inibem de concorrer, a não ser que o festival se efectuasse no último domingo de Agosto. Testemunha depois os seus muitos e ardentes desejos de cooperar para tudo quanto deve elevar Abrantes e as suas Associações, especialmente o Montepio, pelos muitos benefícios que presta às classes trabalhadoras.

“ECHO DO TEJO” - 20 de Setembro de 1903

- Saiu o Mestre Madeira da música da cesta. Esta agora já tocou uma moda nova, a que se chamava uma ordinaríssima.

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Dizem que se vai arranjar outra música nova de que é regente o Sr. Ovo. Já lá estiveram a ensaiar no dia em que a música velha andou a dar um sol e dó à noite.

Dizem que o Sr. Ovo é que faz os instrumentos na oficina dele. Dizem que o pai da música e o cachopelho público estiveram já a tocar, mas o Sr. Ovo acha-os muito desafinados e não aprova. São palavras textuais, como disseram.

Passado este período de intensa polémica entre os dois jornais sobre as duas filarmónicas, cujas direcções eram de quadrantes políticos diferentes, poucas referências se encontram sobre esta rivalidade musical.

Nos programas das diversas festas que então se realizavam na Vila do Sardoal, constam muitas vezes actuações alternadas das duas bandas, que às vezes acabavam em pequenas zaragatas entre os músicos, fruto, talvez, dos vapores do álcool, mais do que das querelas políticas que animavam os dirigentes.

Para terminar esta recolha sobre as duas filarmónicas daremos apenas nota da sua fusão, de que resultou a criação da Filarmónica União Sardoalense, que aconteceu em Março de 1911, aquando da visita ao Sardoal do Governador Civil do Distrito de Santarém, Dr. Ramiro Guedes, que é assim noticiada pelo “JORNAL DE ABRANTES”, de 12 de Março de 1911:

(...) A visita do Sr. Dr. Ramiro Guedes deu causa a um facto que o Sardoal há muito desejava:

A fusão das duas filarmónicas, que se fez depois da retirada do Sr. Dr. Ramiro Guedes, devido aos esforços do Sr. Aurélio Neto (Administrador do Concelho) e Matos Silva, levando este a sua generosidade até onde a podia levar, oferecendo à filarmónica mais antiga o instrumental da outra.

Esta fusão representa para o Sardoal a realização de um desejo antigo e com ela acabarão umas pequenas questões que por vezes surgiam e levantavam atritos.

Ainda no “Jornal de Abrantes”, de 16 de Abril de 1911:

Daqui a algumas horas deve apresentar-se pela primeira vez nas ruas desta Vila, a Filarmónica União Sardoalense.

É formada por músicos das duas que aqui existiam, que num gesto nobre e sublime, congregaram os seus esforços e uniram as suas vontades para trazer ao Sardoal, alguns trechos de deliciosa música.

Os rivais de ontem, são companheiros de hoje; por isso, se em alguns ainda existe o ressentimento ou paixão oriunda de lutas atrasadas, bom será que tudo se esqueça, para se pensar no futuro com ardor e entusiasmo para que o Sardoal progrida e possa apresentar uma banda digna de ser apreciada pelos mais exigentes amadores da arte de Mozart.

Deve ser este o ideal de todos os executantes, para que o seu gesto tome mais realce e dignificação e para que todos os que têm contribuído com os seus esforços e boa vontade para esta união, continuem a dispensar o seu auxílio e apoio para que prossigamos na estrada do progresso da civilização, até que essa divina arte nos traga a harmonia dos sons e harmonia de todos os Sardoalenses. A banda é composta de 34 executantes que se apresentarão com os seus novos fatos de ka-ki.

A Direcção tenciona promover uma quermesse para os dias das festas do Senhor dos Remédios, que se realiza nos dias 29 e 30 do corrente, para atender às despesas com a compra de fardamentos e instrumentos novos.

Com este modesto trabalho não se esgota, como é óbvio, a história da tradição musical da Vila de Sardoal. É apenas mais um breve contributo para a sua divulgação. Sem outras pretensões. Outros elementos que consiga reunir, serão divulgados dentro das minhas possibilidades e capacidades. Para mim seria um grato prazer ver outras pessoas a desenvolver trabalhos deste tipo ou de maior gabarito intelectual. A História do Sardoal merece-o.


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