LIVRO PRIMEIRO DA MISERICÓRDIA DE SARDOAL

Numa louvável iniciativa da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal foi lançado no passado mês de Setembro. Durante as Festas do Concelho de Sardoal, o Livro Primeiro da Misericórdia de Sardoal, numa notável transcrição do Senhor Professor João José de Lemos da Cunha Matos, que é, também, o autor da introdução e das profusas e oportunas notas que o livro contém.

A publicação deste livro veio dar um importante contributo para o estudo da história do Sardoal, em especial, no que respeita aos séculos XVI e XVII e desvenda, desde logo, o mistério que há muito persistia sobre o autor da traça (projecto) da Igreja da Misericórdia e, particularmente, do seu magnífico portal principal. O autor desse projecto é João de Castilho, natural de Castilho, nos arredores de Santander, ligado a importantes trabalhos de arquitectura religiosa, dispersos por todo o País, em especial ao Convento de Cristo, em Tomar.

Os registos contidos neste importante livro, confirmam todas as notas deixadas por Jacinto Serrão da Mota, nas suas «Memórias Restauradas do Antigo Lugar e Depois Vila de Sardoal», referentes à fundação da Misericórdia e à existência da antiquíssima Igreja de S. Mateus, matriz da Paróquia de S. Mateus, que se situava perto da actual Igreja da Misericórdia.

Pela sua relevância deixo aqui a transcrição de alguns parágrafos escritos pelo Senhor Professor Cunha Matos, na Introdução ao livro que transcreveu:

«E logo em 27 de Julho de 1550 (fl.83v) ante as elevadas quantias em numerário de que a Misericórdia dispunha e a proibição régia para poder empregá-la na compra de rendas ou de propriedades, os confrades decidem fazer obras a vultuosas na sua Casa. Como primeiro passo concordaram em mandar recado a Tomar para «pydyr a Joan de Castylho que quysese vyr» ao Sardoal «a ver esta casa ou mandar hum ofycyall que ele confyase para com o seu conselho se fazer a dita obra». O risco chegou célere, pois em14 de Agosto desse ano de 1550 (fl, 84v), já se reporta que João de Castilho mandara dois oficiais que «vyrão a obra e colherão o que lhe melhor parecia» e de tudo deram conta a João de Castilho que «mandou a traça della e sua detrymynação he que se mude a capella para as casas que fora de Álvaro do Casall e que se fyzesse hum portal de pedraria de pedra de Tomar com um debuxo que nos diso mandou», Logo uns dias depois, em 31 de Agosto de 1550 (fl, 85v), compareceu perante a Mesa «Lucas Fernandez, pydreyro, que disse ser natural de Coimbra» que declarou ter tomado conhecimento, «pelos escrytos que eram postos nas ygrejas de Abrantes e doutras vyllas» que a Santa Casa pretendia fazer aquela obra e, por isso vinha ele apresentar o seu lanço. Os mesários esclareceram-no de tudo o que pretendiam que se fizesse, informando-o, até, que «certos hofycyays de Tomar» já tinham feito um lanço de 120 mil réis sendo o portal «da pedra de Tmar posta em Tamqos», enquanto que a do cruzeiro e a dos degraus seria em pedra do Sardoal, ficando a Misericórdia com o encargo de «arrancar e po-la ao pé da obra» (fl. 86). Lucas Fernandes declarou então que aceitava todas as condiçºoes e que, além disso, faria «o arqo do cruzeyro e o portado todo de pedra de Coymbra posta à sua conta no rio de Codes à borda d’água, a saber, a foz do Codes», tudo isto, embora, depois de ter pedido muito mais dinheiro, pelos referidos 120 mil réis.

Do que fica dito, parece poder concluir-se que João de Castilho fez mito rapidamente o risco da nova igreja, baseando-se exclusivamente nas informações que os seus oficiais lhe transmitiram, e que, depois, Lucas Fernandes lhe deu esmerada execução.

(,,,) Em 2 de Fevereiro de 1552 (fl,. 396v), voltamos a ter notícias sobre a fábrica da Igreja da Misericórdia. Desta vez a propósito do acordo estabelecido entre a Mesa e os pedreiros Gaspar Dinis, João Fernandes e Diogo Fernandes, moradores no Sardoal, aos quais é dada de empreitada a construção dos «degraos da porta pryncypal da dita Casa da Misericórdia» especificando-se entre muitas outras coisas que «hão-de ser três hentradas com seu taboleiro em cima e sendo quantos forem neçeçaryos quaes hão-de ser de pedrarya dos Cabeços das Mós, r serão de pedra rija», tudo pelo preço de 12 mil réis. Um mês depois, em 19 de Março, acordam os mesmos que «além da obrigação que hatrás está feita» os pedreiros «sejão obrigados a fazer mais três degraos pela banda de cyma todos torneados», para além dos cinco que já estavam anteriormente determinados, e isto «por acharem que sãoo muito necessários pela maneira correnteza que tinha a rua e ficariam os degraus muito íngremes». Esta correcção do projecto inicial iria custar mais 5 mil réis. E em 8 de Maio de 1552 (fl. 199), «por ora eles hos ditos degraos serem de todo acabados», a Misericórdia procedeu ao pagamento integral dos referidos 17 mil réis.

Ainda nesse ano de 1552 (fl. 199v) temos notícia da verba de um testamento em que a quantia de 3 mil réis e deixada «para huns órgãos os quais se farião quando se acabasse as obras da dita Casa ou quando em essa os mandassem fazer».

QUEM FOI JOÃO DE CASTILHO?

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João de Castilho (nascido cerca de 1470janeiro 1553) foi um arquitecto que realizou grande parte da sua Obra em Portugal, apesar de ser natural de Castillo, junto a Santander na Cantábria.

Sabe-se que começou por trabalhar na Catedral de Burgos, seguindo depois para a Catedral de Sevilha. É de Sevilha que é chamado, pelo arcebispo D. Diogo de Sousa, para Braga, em 1509, para fazer a capela-mor da . Vai depois para a Igreja Matriz de Vila do Conde.

Deve-se ter em conta que esta cidade vivia então um período glorioso, devido aos seus marinheiros e ao seu movimentado porto. Certo é que, de Vila do Conde, há-de ir João de Castilho para o Convento de Cristo de Tomar. Aí faz a celebrada porta da Igreja, como resposta à famosa janela de Diogo de Arruda. Em breve porém lhe é entregue a direcção superior das obras do Convento, que irá manter até ao fim da vida (cerca de 1553).

Em breve também sucederá a Diogo Boitaca na direcção das obras do Mosteiro dos Jerónimos, onde realizará obra do mais notável que a Europa do seu tempo produziu. Considerem-se o extraordinário pórtico sul (onde terá tido a colaboração de Gil Vicente, autor da Custódia de Belém - com que o portal ostenta tão visíveis afinidades), as colunas em palmeira que sustentam o tecto da igreja, o fantástico transepto, etc. O seu nome está ainda ligado à conclusão do Claustro, onde parece possível ver também influência vicentina, à sacristia, etc.

Mas não ficou por aqui a obra de João de Castilho. Reconhecido o seu génio criativo e a sua capacidade empreendedora, é chamado a fazer outra extraordinária e gigantesca obra, a Fortaleza de Mazagão.

O contacto com mestres de várias nacionalidades vai levá-lo a superar o Manuelino das suas realizações de Tomar e dos Jerónimos e a caminhar decididamente na direcção da Renascença. São de grande pureza clássica algumas criações que têm a sua assinatura em Tomar, quer no Convento quer na pequena Igreja de Nossa Senhora da Conceição[1].

Referências

  1. ↑ "Le muse", De Agostini, Novara, 1964, Vol.III, pag.151
  • Lexikon der Kunst, E.A.Seemann Verlag, 2004

João de Castilho é considerado o maior arquitecto português do século XVI e um dos grandes da Europa do seu tempo.