Igreja e Convento de Santa Maria da Caridade

Fotografia do início do século XX

Para nos situarmos nas origens do Convento de Santa Maria da Caridade, socorro-me, em primeiro lugar, da CRÓNICA DA PROVÍNCIA DA PIEDADE, de Frei Manuel de Monforte - Capítulo LIII:

“No tempo em que a primeira e mais antiga Casa de Santo António de Abrantes, estava na Ribeira da Abrançalha, quase a meia légua do povo, ficava em igual distância pouco mais ou menos, da Vila do Sardoal, que fica para a outra parte, por ser uma légua de uma a outra Vila. Por esta causa participava também o Sardoal da comunicação dos Frades daquele Convento, ajudando-se deles nas pregações, confissões e mais socorros espirituais. Mas como o Convento fosse mudado do lugar da Abrançalha para junto da Vila de Abrantes, sentindo os moradores do Sardoal a falta dos bens espirituais que padeciam com aquela mudança, por ficarem mais longe e fora de mão os Religiosos, pediram-lhes que quisessem aceitar outro Convento naquela sua Vila, oferecendo-se para fazê-lo. Não foi isso fácil de alcançar, porque como ficavam as Vilas tão perto uma da outra, que só distavam de uma légua, tinham os nossos Frades por grande inconveniente multiplicarem-se tanto as Casas, que viessem a ficar tão vizinhas. Mas, finalmente, aceitaram o oferecimento, não podendo mais resistir aos rogos e importunações, com que os procurava aquele devoto povo.

Para o Convento se fazer, deu logo a Vila uma Ermida de muita devoção e célebre romagem, chamada Nossa Senhora da Caridade, donde o Convento tomou o apelido que hoje tem. Está mui perto da Vila, porque além de não haver em muita distância dela outro lugar tão acomodado, tinha já a experiência ensinado a nossos Frades os inconvenientes que traziam consigo os nossos Conventos fundados em desertos.

Fica em sítio alto, sadio e descoberto a todos os ventos, com boa vista para o Rio Tejo, ainda que seco e faltado de água, porque a que se bebe vem de fora e se traz de longe. Para o serviço da Casa se ajudam os Frades de uma cisterna, último remédio em outros semelhantes. Há contudo um pomar de diversas frutas que não tem inveja aos que se regam com copiosas águas.

No fundo da cerca que desce por um recosto abaixo grande espaço, por chegar aonde alcance um pequeno poço, que o mais do tempo não corre, se faz a horta que se rega com água, que com grande trabalho se tira à bomba para a hortaliça necessária.

No ano de 1571, sendo Ministro Provincial, Frei Maseu de Elvas, se começou a fábrica junto à dita Ermida que nos fica servindo de bastante Igreja. Toda a gente do povo, conforme a possibilidade de cada um, acudia liberalmente com suas esmolas para as obras. E como naquele tempo residisse naquela Vila, onde se veio aposentar, D. Duarte de Almeida, filho de D .Lopo de Almeida, terceiro Conde que foi da Vila de Abrantes, devotíssimo dos Frades, não somente contribuiu no princípio com grossas esmolas, mas também prosseguiu em as dar com grande liberalidade até ao fim da obra, tomando à sua conta vê-la posta em sua perfeição. Com a mesma vontade e largueza socorreu sempre, enquanto viveu, todas as necessidades que sentiu nos Religiosos ali moradores, dando-lhes o que não podiam haver facilmente mendigando. Tratava-os como irmãos, amava-os como filhos e respeitava-os como a Anjos, estimando-os em muito sua espiritual conversação, de que frequentemente se costumava aproveitar para a saúde da sua alma. Este amor e devoção grande que lhes tinha, foi causa de que tendo em pouco os antigos sepulcros de seus ilustres pais e avós, escolhesse ser sepultado entre os frades seus irmãos. Está a sua sepultura na Capela-mor deste Convento, junto aos degraus do Altar-mor. O Padroado é da Igreja Romana, como todos os mais que são edificados de diversas esmolas dos povos, sem particular Padroeiro, que reserve o tal direito para si.

Para esta mudança deu também licença o Bispo da Guarda e juntamente para se fundar o Convento do Sardoal, que se edificou no mesmo tempo. O teor da licença é o seguinte: D .João de Portugal, Bispo da Guarda. Por este fazemos saber ao Vigário-Geral de Abrantes que o M.R.P. Fr. Maseu, Ministro Provincial da Província da Piedade, me fez a saber que ele com os Padres da dita Província determinava mudar o seu Mosteiro de Santo António da Abrançalha para outro chão junto das Bicas, mais perto da Vila. E ali fazer um Mosteiro de novo ma Ermida de Nossa Senhora da Caridade, na Vila de Sardoal e me mandou pedir para isso licença e aprovação. E por quanto serviço é de Nosso Senhor e mercê, que nos faz em tomarem os ditos Padres mais Casas e estarem em lugar mais cómodo para a sua saúde e para bem do povo, em que tanto fruto fazem com o seu exemplo, conselho, confissões e pregações e tanto o ajudam diante de N.Senhor com as suas contínuas e devotas orações, penitências e sacrifícios.

Nós lhe damos licença e autorização conforme o Direito e o Santo Concílio e folgaremos ser muito parte em tão santa e necessária obra e de tanto serviço e fruto. Pelo que vos mandamos assim o guardeis e publiqueis ao povo, quando for necessário ou pelo M.R.P. Ministro ou outros Padres vos for requerido e lhe deis toda a ajuda e favor que necessário for e procedeis contra todos aqueles que por alguma via os quiserem impedir, sendo justo e necessário e para isso vos cometemos nossas vezes, porque a dita obra se faça com a bênção de Deus e o P. S .Francisco e Santo António e a nossa.

Dada em Lisboa sob nosso sinal e selo aos 15 dias do mês de Agosto de 1571. Gaspar Homem a fez. D. João de Portugal, Bispo da Guarda. Lugar do selo.

Serrão da Mota (ibidem) refere acerca do Convento que: “(...) O Cavaleiro Francisco Lobato, pessoa da principal nobreza desta Vila, naqueles tempos, se vê pela inscrição da sua sepultura na Casa do Capítulo do mesmo Convento, mandou fazer um quarto à sua custa. Para o mais, decerto contribuíram as esmolas dos naturais de que se não faz especial memória. O Padroado, conforme consta da Crónica da Piedade, escrita pelo Rev. Manuel de Monforte, ficou sendo da Igreja Romana e depois da reedificação do dito Convento, de que não havemos nota expressa, se deu o Padroado ao Arcebispo D. Gaspar Barata e Mendonça, que é certo teria grande merecimento nas despesas daquela segunda obra, de que ainda há pessoas que se lembram.”

O Dr. Giraldo Costa, no seu Esboço Corográfico do Sardoal, refere àcerca desta segunda obra o seguinte: “Segundo consta de uma lápide embutida na parede do lado do Evangelho, na Capela-mor, foi este Convento reedificado em 1676, lançando a primeira pedra, com a assistência do Provincial da Ordem, o já referido Exmº Reverendíssimo Arcebispo da Baía D .Gaspar Barata e Mendonça, a quem por contrato celebrado em 1 de Abril de 1678, foi dado o Padroado, havendo dado mil cruzados* para a reconstrução e obrigando-se à ordinária de 30 mil réis anuais para a sua conservação e jaz sepultado em um mausoléu, na mesma capela, do lado da Epístola. Sob o pavimento da mesma Capela-mor, há um vasto carneiro, onde foram sepultados os membros da ilustre família Moura e Mendonça:”

Na obra SANTUÁRIO MARIANO E HISTÓRIA DAS IMAGENS MILAGROSAS - Volume III, pag. 109 e seguintes - Título XXVIII, coligida no princípio do século XVIII(1711), por Frei Agostinho de Santa Maria consta a seguinte nota sobre a Imagem de Nossa Senhora da Caridade da Vila do Sardoal:

“Acima da Vila de Abrantes uma légua, se vê a Vila do Sardoal, povoação pequena, mas a gente dela pia e devota. Junto à Vila fica em sítio alto, sadio e descoberto a todos os ventos e com boa vista para o Tejo, um Convento de Religiosos da Província da Piedade, fundado naquele povo pelos anos de 1571.

Havia já naquele sítio uma devota Ermida, dedicada a Nossa Senhora com o título da Caridade, que os Religiosos também impuseram ao Convento. Foi sempre esta Ermida o Santuário mais célebre e de maior devoção que havia por aqueles arredores e assim eram nele as romagens contínuas, porque de todos aqueles povos circunvizinhos era visitado. E assim recebiam todos da liberal mão daquela Soberana Mãe da Caridade, muito grandes favores.

Uma notável maravilha refere o Cronista da Piedade, dizendo desta sorte: que saindo os Religiosos a pedir esmola de pão, como costumavam fazer e chegando a meia légua do Sardoal a um lugar chamado Valhascos (no livro o autor escreve Velhascos), aonde os Religiosos costumam ir de quinze em quinze dias pedir esmola de sacola; chegando numa ocasião a pedir à porta de um Irmão da Ordem, muito devoto aos Frades e da Senhora da Caridade, chamado João Gonçalves, mandou este à mulher que desse a esmola que costumava dar em todas as segundas-feiras, que era o dia em que pediam, ela por pouco devota e por não ter pão para a semana toda, porque suposto que no sábado antecedente tinha amassado, havia tido tantos hóspedes no Domingo, que não ficaram mais que dez pães de toda a amassadura, se escusava delha dar. Contudo o marido, sem respeitar as razões que a mulher dava para não dar a esmola, mandou logo que lhe desse os seis pães que tinha de costume. Não pode ela deixar de o fazer e suposto que com pouca vontade, fez a esmola, ficando só com quatro pães. Porém, Deus que estima sempre a caridade, mostrando os seus poderes, foi servido e também pelos merecimentos de Sua Santíssima Mãe, que não faltasse naquela casa o pão por toda a semana inteira, em que costumava durar a amassadura e havendo naquela família oito pessoas, todas comeram dos quatro pães e os seis dias seguintes com muita abundância, porque todas as vezes que a mulher ia buscar pão à arca, achava o que lhe era necessário para aquele dia, do que ficou tão admirada que mudando a sua condição e reconhecendo a sua pouca caridade, começou a ser mais devota dos Religiosos e a ter mais caridade com os pobres e ter mais devoção à Senhora da Caridade, obradora desta maravilha a favor dos seus Capelães.

Quanto à origem e princípios desta Santa Imagem da Senhora da Caridade, consta de uns livros antigos da Casa da Misericórdia (da mesma Vila do Sardoal) que no ano de 1549, enterraram os Irmãos da sobredita Casa, a Ermitoa* da Ermida de N.Senhora da Caridade. E consta mais de outro assento que na mesma era, certa pessoa deixara doze mil réis de esmola à Ermida da Senhora da Caridade. Por onde se verifica ser muito antiga aquela Casa e que já naquele tempo tinha Ermitoa, que tinha cuidado da Casa da Senhora, da sua lâmpada e do asseio do seu Altar. E haveria tido outras muitas outras Ermitoas ou Ermitães.

Depois pelos anos de 1570 vieram os Religiosos Padres da Piedade e parecendo-lhe bem o sítio, o pediram para fundarem nele um Convento, que se lhes deu e o edificaram, como se vê, no mesmo lugar, de que tomaram posse no seguinte ano. Não falta, também, quem diga que a primeira invocação daquela Santa Casa fora o glorioso Príncipe dos Apóstolos, S. Pedro, que depois de dedicou a Nossa Senhora da Caridade, mas ignora-se, hoje, o motivo.

Está esta Santíssima Imagem colocada em lugar alto, que é no espelho da luz do cruzeiro, que para este efeito se tapou e o consertaram os Religiosos com o ornato de alguns Anjos à roda, para taparem a boca dos que deles se queixavam, de que recebendo-os a Senhora da Caridade em sua Casa, tivessem tão pouca com ela, que a pusessem a um canto, quando era justo que permanecesse sempre no Altar-mor, como Senhora e Padroeira que era e havia sido daquela Casa que a mesma Senhora lhes havia dado, como o fizeram os primitivos padres, os quais tinham com ela uma cordial devoção. A causa porque a tiraram do Altar-mor foi que os modernos que não tinham a devoção dos primeiros, fizeram um retábulo novo com tribuna e como não acharam lugar que lhe dar, o deram a Santo António, colocando-a numa sua Ermida da cerca do Convento, o que se teve por imprudente resolução.

Constou isto aos moradores da Vila e foi tão grande a sua justa queixa que para a aplacar a deviam restituir outra vez à Capela-mor, a colocaram no oco do espelho referido. Outros dizem que a colocaram primeiro fora da Igreja sobre o alpendre num nicho que ali estava, ficando exposta às inclemências do tempo, de que sentidos todos os devotos da Senhora, fizeram tal motim e burburinho, que os Religiosos a recolheram e então a deviam levar para a Ermida da cerca. E porque a queixa não cessava a colocaram no referido vão do espelho e sempre se teve toda esta resolução por muito mal considerada, porque nunca se devia tirar àquela Casa o título da Caridade.

No lugar e trono da tribuna que fizeram na Capela-mor, colocaram outra imagem da Senhora que mandaram fazer em Coimbra, de madeira, a quem deram o título da Assunção. E a esta Imagem festejam no seu dia 15 de Agosto e nele se dá de esmola um bom jantar. E não consta, nem há quem se lembre, de que em tempo algum festejassem a Senhora da Caridade que é a Senhora Titular e Orago do mesmo Convento e a Senhora que os recolheu na sua Casa e que lhes fez nela tantos e tão grandes favores, pelos quais merecia todos os obséquios.

A Vila sempre teve grande devoção por esta Senhora e por seu respeito quando os Religiosos a nomeiam (quando nos sábados vão à esmola) se lhes acode com diligência. É esta Santa Imagem de pedra e tem estatura de quatro palmos e meio. Não consta que aparecesse, mas vê-se que é muito antiga.

Da Senhora da Caridade escreve o Padre Frei Manuel de Monforte na sua Crónica da Piedade e o Vigário do Sardoal, Matias da Silva Cardiga, em relação que nos fez por mandado do Ilustríssimo Bispo da Guarda, D. Rodrigo de Moura Teles.”

O Dr. Gustavo Matos Sequeira (ibidem), faz uma descrição sucinta, mas completa do património arquitectónico e artístico da Igreja do Convento:

“ A Igreja é de uma só nave, de abóbada caleada, com altar-mor e duas capelas laterais. Na abóbada do berço da capela-mor está pintado o brasão do Arcebispo da Baía, com as armas esquarteladas dos Mendonças, Vasconcelos, Mouras e Baratas. O retábulo do altar é de talha do século XVII. Do lado da Epístola há um arcossólio que abriga o mausoléu, no feitio clássico de urna, do prelado reedificador, com larga inscrição na face da arca, assente sobre três leões e o brasão familiar no alto. No altar colateral do lado da Epístola está um retábulo-relicário, decorado na parte superior com três pinturas sobre tela, representando Santa Clara, Santa Isabel e a Aparição da Virgem a S .Francisco, obras do século XVII.

O altar colateral do lado do Evangelho é dedicado a Nossa Senhora da Esperança, imagem que nele está entre outras duas, de jaspe, figurando S.Pedro e S.Paulo. No retábulo estão encaixilhadas sete pequenas pinturas sobre tela, com a Visitação, a Anunciação, a Adoração, o Presépio, dois Anjos e ainda outra composição indeterminada. Na parte de baixo do altar está encaixado um oratório-armário (trabalho indo-português de xarão*), dado a este altar por D. Jerónima de Parada, viúva de Gaspar de Sousa Lacerda, que está sepultada aos pés do mesmo altar. A dádiva, conforme letreiro posto sobre o oratório, foi feita em 7 de Setembro de 1670.

Na galilé da igreja, à direita está a Capela do Senhor dos Remédios, decorada com um silhar de azulejos azuis e brancos (século XVIII), com figuras ornamentais e quatro painéis com os Passos de Cristo.

A sacristia é uma construção típica do princípio do século XVIII ou fins do anterior, coberta com um tecto pintado em 1720, no estilo dos tectos de ornatos em caixotões do seiscentismo. Sobre o arcaz*, ergue-se uma construção de caixilhos de talha opulenta, com pilastras e frisos decorativos, emoldurando pinturas sobre tábua, seiscentistas, figurando o Bom Pastor, a Adoração, S. Jerónimo e ainda duas imagens de santos indeterminados e formando um conjunto de magnífico efeito.

Há, ainda, na sacristia um lavabo de faiança portuguesa do século XVIII. O depósito deve ser da Fábrica do Rato e a bacia de outra fábrica, é de época posterior.

No exterior da fachada principal do templo, sobre o terraço da galilé, há um nicho com um S.Pedro (escultura de pedra, quinhentista) entre dois medalhões, em relevo, de estilo Renascença.

No pavimento da galilé está a sepultura de Bento de Moura e Mendonça, comendador de Casével, fidalgo da Casa Real e Cavaleiro de Cristo, nascido em 23 de Julho de 1769, falecido em 14 de Setembro se 1843. No interior há várias lajes sepulcrais.”

A Igreja de Nossa Senhora da Caridade tem, também um bom conjunto de telas seiscentistas e setecentistas, entre as quais se salientam algumas de boa feitura, como a pintura de notáveis dimensões, onde se representa uma curiosa cena religiosa familiar, patenteando alguns laivos de erudição, no alfabeto grego inscrito no livro através do qual Santa Ana ensina Maria a ler.

Para além das mencionadas obras de pintura existem algumas obras de escultura, destacando-se, entre elas, a imagem de Nossa Senhora da Caridade, datada do século XIV e uma colecção de Cristos crucificados em que merece uma referência especial um Cristo de marfim do século XVII.

Em torno do Convento de Nossa Senhora da Caridade, mais conhecido por Convento de Santa Maria da Caridade, guardam-se inúmeras memórias do património cultural do Sardoal que o tornam um lugar mágico e aquele espaço é, sem qualquer dúvida, uma referência efectiva e afectiva da nossa história colectiva, seja em tempos recuados, seja em épocas mais recentes, através da sedimentação das diversas influências culturais que predominaram ao longo dos séculos.

Logo nos freixos que ladeiam a Escadaria de acesso ao Largo ( que a tradição transmitida oralmente de geração em geração, diz terem sido trazidos da Índia, por Sardoalenses que acompanharam Vasco da Gama na sua segunda viagem às terras dos Samorins, o que a ser verdade os torna mais antigos que o Convento), ressoam nas cavidades dos seus troncos carcomidos pelo tempo, ecos das vozes dos penitentes que ali afluíam e dos lamentos dos que acompanhavam os mortos que ali buscavam o seu eterno descanso.

Nos arcos da galilé ouvem-se os murmúrios das preces ao Senhor dos Remédios e das vozes inflamadas dos Pregadores do Sermão do Calvário, na Procissão dos Santos Passos e sob as lajes sepulcrais estão as cinzas dos Fidalgos ali sepultados.

Entrando na Igreja, vindos do coro, sentem-se os sons sublimes do Canto Gregoriano dos Frades Franciscanos e do púlpito difundem-se, ainda, as palavras sagradas dos Sermões do Mandato, de Quinta-Feira Santa e de outras festividades religiosas que ao longo dos séculos ali fizeram afluir milhares de fiéis devotos de Nossa Senhora da Caridade, cuja primitiva imagem, do século XIV, se encontra no altar colateral do lado da Epístola. No outro altar colateral nota-se um espaço vazio de uma pequena jóia que muito tem orgulhado a população local pelo número de exposições nacionais e internacionais que tem integrado e que se guarda, habitualmente, no cofre da Sala do Capítulo. Trata-se do armário-oratório, trabalho indo-português do século XVII.

As obras de reedificação realizadas em 1676 fazem adivinhar algumas alterações na traça original da nave do templo. De facto, o restauro que actualmente aí decorre, a cargo do IPPAR, trouxe à luz uns arcos nas suas paredes laterais que parecem sugerir anteriores capelas, tão ao gosto das prescrições tridentinas, apostadas em reafirmar o culto dos Santos posto em causa pelo protestantismo emergente.

A capela-mor sofreu profundas alterações por vontade de D.Gaspar Barata de Mendonça. Na abóbada de berço está pintado o brasão familiar, escondendo-se, entretanto, o que se adivinha serem curiosos grotesche em pintura fresquista, que valeria a pena deixar a nú.

Muito interessantes são, também, as pinturas em cobre, dos altares colaterais da igreja, do mesmo cenóbio, pequenas obras de arte do século XVII, que chamam a atenção do visitante pela sua particularidade.

São, contudo, as pinturas do tecto da sacristia as que merecem maior relevo, justificando, por si só, uma visita a este templo. Dividido em caixotões de madeira totalmente revestidos a pintura de grutesco, de princípios do século XVIII, são pinturas de feição algo popular, mas muito curiosas.

De menor qualidade são, já, as pinturas que sobrepujam o arcaz, onde figuram alguns santos e padres da Igreja, a par de outras cenas bíblicas. O próprio arcaz exige uma limpeza urgente, que possibilite recuperar as interessantes pinturas em chinoiserie que ornamentam as suas superfícies.

De igual modo, o contador pintado que se conserva, ainda, no referido

espaço, é uma peça que revela algum interesse pela pintura que o decora. Mais curioso, ainda, é o enquadramento em que se insere, deixando ver na parede fundeira, quando se remove, uma pequena pintura mural que valeria a pena deixar a descoberto.

Mas, regressemos às memórias do tempo, passando aos claustros que se destacam pela harmoniosa simplicidade franciscana, onde predominam o azul e o branco. No telhado, a norte, salienta-se um elegante relógio de sol, marcando as horas ao compasso do Astro-Rei. No pavimento reconhecem-se algumas sepulturas rasas do século XVII, onde, por certo, teriam sido sepultados alguns dos Frades que habitaram o Convento. Com ligação ao corpo da Igreja, através de pequenos postigos, em chapa furada, estão, ainda os confessionários, onde muitos penitentes terão confessado os seus pecados e obtido a necessária absolvição para os mesmos.

No primeiro andar funcionou desde 1834, ano em que Joaquim António de Aguiar decretou a extinção das Ordens Religiosas, o Hospital da Santa Casa da Misericórdia, encerrado desde 1979. O espólio da sua farmácia poderá constituir o ponto de partida para um pequeno espaço museológico que pode ser complementado pelo instrumental cirúrgico que ali se encontra guardado.

O Largo do Convento é um outro mundo de sonhos e memórias. De festas, profanas ou religiosas: a Festa do Senhor dos Remédios, as Festas de Santa Maria da Caridade, as Procissões e Sermões. E, de um tempo mais recente, mas já perdido, o cinema, as récitas teatrais e tantos momentos importantes da nossa vida colectiva, de diversão e convívio, de lutas políticas, vividos no antigo Cineteatro Gil Vicente, desde meados da década de vinte deste século, até há cerca de dez anos.

No seu lugar, sempre sob o testemunho atento da velha amoreira, espécime já raro no Concelho de Sardoal, surgiu há alguns anos o Lar/Centro de Dia da Santa Casa da Misericórdia, refúgio último para os mais idosos, que ali encontram condições para viverem os seus últimos anos, quando a família, por não poder e às vezes por não querer, ou por falta dela, não os pode manter no lar em que sempre viveram, em condições condignas. Quantos dramas de solidão se viveram e vivem por ali!...