Histórias com animais

Post date: Oct 16, 2009 7:36:20 PM

I - A Síndrome do Galo

Diz-se por aí, em surdina, que algumas das personalidades que, nos últimos tempos, se dedicaram à política, sofrem da «Síndrome do Galo».

A «Síndrome do Galo” é uma patologia que afecta aqueles galináceos, que os faz pensar que se eles não cantarem de madrugada, o Sol não nasce. Por isso cantam desalmadamente…

Esta patologia tem uma variante menos frequente que leva a que alguns galos lancem o seu canto a meio da tarde, por temerem que o sol não se ponha se eles não cantarem.

Por enquanto esta patologia está longe de se transformar numa pandemia e, ao que julgo saber, ainda não existem laboratórios a desenvolver investigações para produzir uma vacina. Mas a epidemia já esteve mais longe!...

II – Uma fábula de Esopo

A rã e o escorpião

Parado ao sol, o escorpião olhava ao redor da montanha onde morava.

"Positivamente, tenho de me mudar daqui" - pensou.

Esperou até a madrugada chegar, lançou-se por caminhos empoeirados até atingir a floresta. Escalou rochedos, cruzou bosques e, finalmente, chegou às margens do rio largo e caudaloso.

"Que imensidão de águas! A outra margem parece tão convidativa... Se eu soubesse nadar..."

Subiu um longo trecho da margem, desceu novamente, olhou para trás. Aquele rio certamente não teria medo de um escorpião. A travessia era impossível.

"Não vai dar. Tenho de reconsiderar minha decisão" - lamentou.

Estava quase a desistir quando viu a rã sobre a relva, bem próxima à correnteza. Os olhos do escorpião brilharam:

"Ora, ora... Acho que encontrei a solução!" - pensou rápido.

- Olá, rãzinha! Diga-me uma coisa: você é capaz de atravessar este rio?

- Ih, já fiz essa travessia muitas vezes até a outra margem. Mas por que é que pergunta? -disse a rã, desconfiada.

- Ah, deve ser tão agradável do outro lado - disse – é pena eu não saber nadar.

A rã já estava com os olhos arregalados: "será que ele vai me pedir...?"

- Se eu pedisse um favor, você faria? - disse o escorpião mansamente.

- Que favor? - murmurou a rã.

- Bem - o tom da voz era mais brando ainda - bem, você me carregaria nas costas até a outra margem?

A rã hesitou:

- Como é que eu vou ter certeza de que você não me vai matar?

- Ora, não tenha medo. Evidentemente, se eu a matar, também morrerei - argumentou o escorpião.

- Mas... e se quando estivermos saindo daqui você me matar e pular de volta para a margem?

- Nesse caso eu não cruzaria o rio nem atingiria meu destino - replicou o escorpião.

- E como vou saber se você não me vai matar quando atingirmos a outra margem? -perguntou a rã.

- Ora, ora... quando chegarmos ao outro lado eu estarei tão agradecido pela sua ajuda que não vou pagar essa gentileza com a morte.

Os argumentos do escorpião eram muito lógicos. A rã ponderou, ponderou e, afinal, convenceu-se. O escorpião acomodou-se nas costas macias da agora companheira de viagem e começaram a travessia. A rã nadava suavemente e o escorpião quase chegou a dormitar. Perdeu-se em pensamentos e planos futuros, olhando a extensão enorme do rio.

De repente deu-se conta de que estava dependendo de alguém, de que ficaria devendo um favor para a rãzinha. Reagiu, ergueu o ferrão.

"Antes a morte que tal sorte" - pensou.

A rã sentiu uma violenta dor nas costas e, com o rabo do olho, viu o escorpião recolher o ferrão. Um torpor cada vez mais acentuado começava a invadir-Ihe o corpo.

- Seu tolo - gritou a rã - agora nós vamos morrer os dois! Por que fez isso?

O escorpião deu uma risadinha sarcástica e sacudiu o corpo.

- Desculpe, mas eu não pude evitar. Essa é a minha natureza

III – O Burro e as Moscas

(Editorial de José António Saraiva, no semanário SOL de 16 de Outubro de 2009)

(…) Este gosto dos portugueses pela continuidade não é, como tenho repetidamente dito, um exclusivo das eleições autárquicas.

Ele verifica-se em todas as eleições: nas presidenciais, nas legislativas e nas regionais.

Os Presidentes da República são sempre reeleitos, os primeiros-ministros são sempre reeleitos, os líderes regionais são sempre reeleitos, os presidentes de Câmara são geralmente reeleitos.

Esta regra recorda irresistivelmente a história do burro ao qual afugentaram as moscas.

Estava um burro coberto de moscas – quando passou por ele uma alma caridosa que começou a sacudi-las.

– O que estás a fazer? – perguntou o burro, aparentemente irritado.

– A afugentar as moscas que estão a importunar-te... – explicou o homem.

– Não o devias ter feito! – lamentou-se o burro. – Moscas à minha volta haverá sempre, e estas ao menos eu já conhecia.

Portanto, os eleitores votam em princípio em quem está.

Esses, ao menos, já eles conhecem.

Só em casos excepcionais, explicáveis um a um, a regra não se verifica. (…)