Doutor João Serras e Silva

DADOS BIOGRÁFICOS

Nasceu em Santa Clara (Alcaravela), no concelho de Sardoal, em 15 de Janeiro de 1868, filho de D. Rita Serras e Silva e de António Serras e Silva, ficando órfão de pai aos 4 anos de idade, golpe que feriu profundamente a sua sensibilidade precoce e só aos 15 anos pode começar os estudos secundários. Mas nesta idade, com o favor de um cérebro bem formado vence, brilhantemente e em três breves anos, o curso do liceu, em Portalegre.

Em Coimbra conquista justos lauréis na Faculdade de Filosofia (1888-1889) e em 1891 ingressa na Faculdade de Medicina, formando-se em 1896, tendo como condiscípulos, entre outros, Azevedo Leitão, que foi clínico ilustre em Coimbra e Adriano Peça, que se distinguiu como médico militar. Em 1897, preparou-se para professor universitário, licenciando-se e doutorando-se. Fez concurso em 1898, escolhendo para assuntos das suas dissertações: A hereditariedade da sífilis, O alcoolismo e O clima de altitude e a tuberculose pulmonar, três temas sobre Higiene Social, que desde logo revelaram as tendências do seu espírito.

Foi da sua iniciativa e do seu amigo e contemporâneo António Baptista Leite de Faria, com o apoio do Professor Augusto Rocha, a realização do Congresso Nacional da Tuberculose de Coimbra, o primeiro congresso médico que houve em Portugal, no qual tomou parte activa, ocupando-se do Papel das toxinas na hereditariedade da Tuberculose, trabalho que Charles Lepierre classificou de notável.

Conquistado, depois de provas brilhantíssimas, o lugar de catedrático da Faculdade de Medicina, foi-lhe confiado o ensino da Higiene, que regeu até 1933, ano em que foi encarregado da remodelação dos serviços de Sanidade Escolar, devendo-se-lhe a criação da Saúde Escolar, de que foi Director-Geral, até atingir o limite de idade, como funcionário, em 1938.

Na Faculdade de Letras de Coimbra regeu a Cadeira de História dos Descobrimentos e a de Higiene Escolar, na Escola Normal Superior.

Fez parte do Conselho Superior de Higiene e de múltiplas comissões e conselhos de responsabilidade nesse campo e no da instrução, tomando parte em vários congressos. Dirigiu o Instituto de Higiene da sua Faculdade, que se lhe deveu, fundando com o auxílio técnico de Charles Lepierre, o Laboratório de Higiene, destinado a análises bromatológicas.

Foram numerosos os congressos médicos em que interveio, quer em Portugal quer no estrangeiro, nalguns deles como representante da Faculdade de Medicina de Coimbra, cuja Universidade representou também, em 1927, nas festas do 5º centenário da Universidade de Lovaina.

Politicamente militou nos tempos da monarquia, no partido franquista, tendo sido um dos grandes amigos pessoais de João Franco e do seu Ministro da Justiça, Dr. Teixeira de Abreu, como foi do Professor Oliveira Salazar.

Viveu, depois, muitos anos em Lisboa. Foi Procurador à Câmara Corporativa e, desde Janeiro de 1953, foi Presidente da Comissão de Literatura e Espectáculos para menores, criada pelo Decreto nº 38 964.

Colaborou assiduamente nas Novidades, Comércio do Porto, Diário Popular, A Voz, Diário da Manhã, Diário de Lisboa, Correio de Coimbra, O Distrito de Portalegre, etc., bem como nas revistas Coimbra Médica, Movimento Médico, Clínica, Higiene e Hidrologia, Saúde Escolar, Estudos e outras, onde publicou centenas de artigos sobre higiene, epidemiologia, medicina social, pedagogia, ciência social, instrução, educação, higiene moral e saúde escolar, religião, crítica, política, história, etc.

Entre muitos trabalhos que publicou, contam-se: A Hereditariedade da sífilis, 1897; O clima de altitude e a tuberculose pulmonar, 1898; O Catolicismo e a higiene, 1918; Frederico Ozanam, 1923; A ciência social na educação e na história, 1926; Ideias fundamentais em educação física, 1937; Educação Nacional, 1938; Condições de felicidade, 1944; História de uma rapariga moderna, 1945; Questões de educação (cartas a uma mãe), 1949; Ideias fundamentais sobre a Escola Primária, 1952.

O Professor Doutor Serras e Silva, casou com D. Prudência Seara Tavares da Costa Serras e Silva, de cujo casamento nasceram as senhoras D .Maria Teresa Serras e Silva Soares da Fonseca, D. Maria Helena e D. Margarida Serras e Silva.

Faleceu em 8 de Abril de 1956.

HOMEM DE CARÁCTER E DE ACÇÃO

Em toda a sua vida se afirmou o Professor Serras e Silva como homem de carácter e de acção. Trabalhou muito desde criança. Trabalhou sempre.

Aprendeu as primeiras letras com o professor Martins Pimenta, do lugar da Presa. Por estímulo dele, do Padre Manuel Martins, a quem costumava ajudar à Missa na pequena igreja de Casos Novos e do Padre Mora, resolveu ir estudar. Em Portalegre e em Coimbra preparou-se para dar entrada na Universidade. Na Faculdade de Filosofia, que então tinha de se frequentar para poder matricular-se em Medicina, teve por mestres: Souto Rodrigues, em álgebra; Paulino de Oliveira, em zoologia e química mineral; Sousa Gomes, em química orgânica; Júlio Henriques, em botânica; António dos Santos Viegas, em física; João Vieira, em desenho.

Contemporâneo do ultimatum, da geração que projectou criar um batalhão académico para ir combater os ingleses em África e que conspirou em 31 de Janeiro; atingido pela greve de 1892, por tantos e tantos actos de rebelião que foram o prenúncio do movimento republicano de 1910, Serras e Silva nunca perdeu tempo com a política. Não se procure o seu nome nos manifestos revolucionários, nem a sua cumplicidade em quaisquer desordens ou desacatos.

Estudava, ajudava os condiscípulos a estudar, conversava com os amigos, aperfeiçoava o seu espírito e a sua cultura. Ficou famosa no seu curso, de que era o urso-mor, a discussão que um dia teve com o Dr. Filomeno da Câmara, na aula de histologia, combatendo as doutrinas materialistas do mestre, como lição brilhante sobre aneurismas que deu a Dr. João Jacinto.

Enquanto tantos do seu tempo eram irreverentes e arruaceiros, Serras e Silva fugia de todas as exibições, para se concentrar no estudo, na formação da inteligência e do carácter. Compreensivo, optimista, serenamente alegre, nem se metia em boémias nem se comprometia em conspirações. Só assim conseguiu realizar trabalho fecundo, numa disciplina interior que jamais se quebraria.

DENTRO DO LAR, EM COIMBRA

A casa do Dr. Serras e Silva veio a tornar-se o lugar de reunião de intelectuais de Coimbra, não para formar um salão pretensioso onde se marcassem como numa alfândega os literatos de uma geração, mas onde, a par do valor intelectual se revelavam, estimulavam e formavam mesmo, os valores morais e sociais.

Trocas singelas de impressões sobre leituras, factos observados, discussões havidas, polémicas, casos de todos os dias, leitura de passagens de livros, discussões elevadas, construtivas sobre os mais variados problemas filosóficos, históricos, sociológicos, religiosos, económicos, artísticos, literários, políticos, etc., a propósito de tudo o Dr. Serras e Silva, com a sua cultura magnífica, os seus dons de observador inigualável, o seu calor dialético, a sua delicadeza, a sua tolerância, dava azo a que os interlocutores pusessem em foco a sua inteligência, perspicácia e conhecimentos, obrigando-os a uma ginástica mental e a uma educação da atenção, ao hábito de meditar sobre os problemas tratados, que tornou a sua casa um dos centros de formação mental e moral mais perfeitos do seu tempo.

Sua esposa intervinha inteligentemente e oportunamente nas discussões, pondo problemas novos, apresentando objecções, com uma argúcia e um espírito crítico que a tornaram admirada e considerada de quantos tiveram o prazer de a ouvir.

Passaram por casa do Dr. Serras e Silva homens de valor, como Raimundo Mota, Mendes dos Remédios, Garcia de Vasconcelos, Machado Vilela, Lopes da Fonseca, Oliveira Salazar, Gonçalves Cerejeira, Mendes dos Santos, Pacheco de Amorim, Rocha Brito, Ferrand de Almeida, Beleza dos Santos, Águedo de Oliveira, José Alberto dos Reis, Trindade Salgueiro, Castro Meireles, Pereira dos Reis, Henrique Trindade Coelho, Lopes de Melo, Bernardo de Vasconcelos, entre muitos outros.

O Cardeal Cerejeira foi capelão da sua casa, acarinhado sempre ali como filho. Oliveira Salazar teve sempre lá o acolhimento que se tem na casa paterna.

Muitas notabilidades estrangeiras passaram por aquela casa, não como visitas cerimoniosas, mas em convívio fecundo: Léon Poinsard, o Padre Leseur, Paul Descamps, o Padre Matéo, o Padre Pio Jougla e o Padre Marie Étienne.

Na sua casa, como fora dela, o Dr. Serras e Silva, como escreveu o Dr. Fernando da Silva Correia, seu aluno, «nunca exigiu aos outros o que previamente averiguava não poder exigir a si próprio. Teve sempre uma vida exemplar, base máxima da sua pedagogia. Nunca teve como ideal vencer, mas convencer. Nunca afirmou coisa alguma que não tivesse meditado, nem sustentou, fosse o que fosse, sem sinceridade ou a mais nobre das intenções».

O HOMEM E O CRISTÃO

São do Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, Gonçalves Cerejeira, estas palavras sobre o Dr. Serras e Silva:

"Com ele privei uns vinte anos - tempo de sobra para verificar a fragilidade das mais afamadas reputações humanas, quando estas assentam menos na solidez do valor real do que no arruído do reclame.

Porém, vitoriosa da prova do convívio e do tempo, sempre a minha consideração cresceu - pelo brilho do seu talento, pela inquietação da sua insaciável curiosidade, pela extensão do seu saber, pela originalidade das suas vistas, pela agudeza quase dolorosa da sua análise. E se muito admiro o sábio, não admiro menos o homem e o cristão.

...Passámos juntos muitas horas de alegrias e de dores. Eu sei um pouco e Deus sabe tudo, do que esta nobre alma tem feito e do que o seu coração tem sofrido».

O cristianismo do Dr. Serras e Silva não era apenas teórico. Era um cristianismo activo e prático, expresso em intensa vida de piedade e numa atenção constante à miséria das mansardas, que muitas vezes visitava, como dedicado vicentino. Foi presidente da Comissão Central das Conferências de S. Vicente de Paulo e da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.

À sua vasta cultura e a extraordinária actividade intelectual, aliava uma invulgar modéstia que o levou a recusar a Grã-Cruz da Ordem de S. Tiago, com que o Governo o quis distinguir em 1937 e a nomeação de sócio da Academia de Ciências, para que esta douta corporação quis indigitá-lo pela mesma época."

«NOVIDADES» - 15 de Janeiro de 1938

O prof. Doutor Serras e Silva é hoje homenageado pelos funcionários da Direcção-Geral de Saúde Escolar.
 
Deixa hoje, por disposição de rígidos textos legais, as funções de Director-Geral da Saúde Escolar do Ministério da Educação Nacional, o nosso eminente colaborador e muito prezado amigo, Sr. Prof. Doutor João Serras e Silva, lente dos mais categorizados da douta Universidade de Coimbra.
O Prof. Doutor Serras e Silva que é uma individualidade científica cujo prestigioso valor ultrapassou as fronteiras do nosso país, pode considerar-se, sem favor, um dos grandes nomes da Ciência Médica portuguesa e uma autêntica glória da Universidade que o teve como aluno distintíssimo para, ao depois, o contar entre os catedráticos mais sábios, respeitados e queridos.
A sua vida que tem sido inteiramente dedicada à Família, à Ciência e ao amor ao próximo por amor de Deus - vale como lição para os novos, como exemplo eloquentíssimo do que pode a vontade ao serviço duma inteligência robustecida pela fé.
Nascido em Alcaravela (Sardoal) em 15 de Janeiro  de 1867 (sic), filho de D.Rita Serras e Silva e de António Serras e Silva, o Prof. Serras e Silva perde aos 4 anos o seu pai, golpe que feriu profundamente a sua precoce sensibilidade e que o impede de iniciar os estudos secundários antes dos 16 anos. Mas nesta idade, com o favor de um cérebro bem formado vence, brilhantemente e breves três anos, o curso do liceu em Portalegre.
Em Coimbra, conquista justos lauréis na Faculdade de Filosofia (1888-1889) e em 1891 ingressa na Faculdade de Medicina, onde a breve trecho se tornava evidenciado pelas suas extraordinárias e brilhantes qualidades.
As mais altas classificações foram o prémio equitativo dos trabalhos didáticos que fizeram do escolar Serras e Silva um dos alunos mais ilustres daquela Faculdade, onde recebeu o grau de licenciado em 13 de Fevereiro de 1897, sendo-lhe dado para dissertação, o seguinte argumento: «O alcoolismo, suas manifestações diversas e seus graus de influência sobre a responsabilidade moral dos alcoólicos delinquentes».
Em 16 e 17 de Julho de 1897 os actos de conclusões magnas, com a dissertação inaugural: «A hereditariedade da sífilis», obra em que o estudioso da ciência deixava já aparecer o literato de forma castigada que hoje é.
Sobre os seus ombros, caiu com toda a justiça, o capelo amarelo de doutor em medicina, no dia 18 de Julho de 1897. Não estavam, porém, cumpridos os deveres da Universidade para com o seu dilecto e distinto aluno. Era necessário que Serras e Silva ingressasse no número dos seus mestres. E, assim, em 10 de Fevereiro de 1898, o Doutor Serras e Silva foi nomeado - após concurso em que defendeu a tese: «O clima da altitude (Estudo climatérico da Serra da Estrela)» - 2º lente substituto, lugar em que foi empossado no dia 21 do mesmo mês e ano.
Cabe ao Prof. Doutor Serras e Silva a distinção de haver iniciado em Coimbra, o ensino da cadeira de higiene, para que foi nomeado lente em 20 de Junho de 1900, por desdobramento da Cátedra de Medicina Legal. A posse realizou-se em 12 de Julho do ano inicial do novo século.
O que tem sido a vida do catedrático estimabilíssimo e respeitado, amado e considerado por discípulos e colegas - todos os que passam pela Faculdade de Medicina de Coimbra o sabem.
O decreto de 23 de Julho de 1926 fez o Doutor Serras e Silva Director dessa Alta Escola de Ciências Médicas. Era o caso de se repetir o velho: «the right man in the right place».
Outros diplomas legais lhe conferiram, por seus méritos incontestáveis, novas distinções: Director do Laboratório de Higiene (decreto de 13 de Novembro de 1926), Director do Laboratório de Bacteriologia (decreto de 5 de Março de 1927), Director do Curso de Medicina Sanitária (decreto de 7 de Agosto de 1931).
Em 1932, foi convidado para Director-Geral da Saúde Escolar, lugar para que foi nomeado em 4 de Julho de 1933 e tomou posse em 1 de Agosto seguinte.
Mas não só a Faculdade de Medicina Coimbrã teve a honra de escutar as suas lições. Também professou matéria da sua especialidade na Escola Normal Superior da Faculdade de Letras e no Seminário diocesano (1903-19109.
O mestre eminente recebeu o encargo de representar a veneranda e secular Universidade de Coimbra no V centenário da Universidade de Lovaina (1927) e no meio de um congresso de sábios ilustres de todo o mundo, o Doutor Serras e Silva, logrou distinguir-se e honrar não só a Escola que lhe deu o encargo da representação, como também Portugal.
O Professor Serras e Silva que fez parte da direcção da Assistência Nacional aos Tuberculosos tem tido sempre brilhante e arguta intervenção em todas as assembleias e congressos de medicina, porque os seus argumentos, os seus assertos escutam-nos os seus pares com o respeito devido a boas lições.
Dissemos que o Professor Serras e Silva se tem dedicado à Família, à Ciência e ao amor do próximo por amor de Deus. É por este amor que o vemos na obra evangélica das Conferências de S. Vicente de Paulo, de cuja comissão central da Diocese de Coimbra faz parte. E é ainda o mesmo amor ao próximo que o faz distrair dos seus estudos e dos seus trabalhos profissionais para oferecer ao público os primores dos seus conceitos em prosa duma elegância clássica, prosa que os nossos leitores estão habituados a apreciar em artigos fulgurantes e sobre os mais diversos assuntos - sempre tratados com um alto sentido patriótico e profundamente cristão.
Outras publicações têm recebido a honra da colaboração do Professor Serras e Silva: «A Voz», o «Correio de Coimbra», «Estudos», «Movimento Médico», «Saúde Escolar», «Almanaque de Santo António», etc.
A sua bibliografia é já até hoje considerável, principalmente pelo seu valor intrínseco. Não é preciso escrever muito; basta escrever bem em toda a extensão do termo. Assim sucede com o Professor Doutor Serras e Silva que além das teses a que fizemos referência, deu à estampa os seguintes: «Frederico Ozanan»; «O Catolicismo e a Higiene», «A Ciência Social e a História» e «Educação Física».
No meio profissional e associativo desenvolve a sua actividade, como Presidente da Cruzada Nun’Álvares, da Associação dos Educadores Portugueses e da Associação dos Médicos Católicos.
Casado, desde 19 de Dezembro de 1898, com a Senhora Dona Prudência de Serras e Silva - modelo de virtudes e coração plasmado pelos mais salutares princípios católicos - o Professor Serras e Silva é bem o chefe de família modelar, o pai à boa e tradicional maneira portuguesa; afectuosíssimo e firme que sabe amar porque muito bem sabe educar.
O Sr. Doutor Serras e Silva não é, no acanhado meio português, uma figura banal de professor e funcionário público. Pela inteireza do seu carácter, pelos primores da sua inteligência, pela bondade do seu coração, pelo seu espírito duma acuidade excepcional, o Doutor Serras e Silva merece justamente a homenagem que hoje os seus subordinados lhe prestam, como tributo justo às suas qualidades e ao seu proceder.
As «Novidades», que contam no Professor Serras e Silva um dos seus mais queridos e conceituados colaboradores e amigos, associam-se a este preito de admiração, com o mais vivo e mais cordial entusiasmo.
A homenagem levada a efeito pelo funcionalismo da Direcção-Geral de Saúde Escolar, efectua-se às 15 e 30 na sede daquela Repartição do Ministério da Educação Nacional, rua Alves Correia, 183 - 1º.

«NOVIDADES» : 16 de Janeiro de 1938

1ª Página com fotografia a toda a largura

GLORIFICANDO O TRABALHO E A CIÊNCIA
O Sr. Doutor Serras e Silva foi ontem alvo duma grande manifestação de simpatia
 
Tocante na sua solene simplicidade, a verdadeiramente grandiosa homenagem que os médicos e os demais funcionários da Direcção-Geral de Saúde Escolar prestaram ao eminente Professor Doutor João Serras e Silva, lente catedrático da Universidade de Coimbra e director daquele organismo do ministério da Educação Nacional que, como dissemos tem de abandonar por obediência a taxativas regras legais.
Foi uma festa íntima que teve a caracterizá-la os mais eloquentes testemunhos de admiração, respeito e grata estima ao ilustre homem de ciência que na sua longa e produtiva vida de estudo e acção só tem sabido espalhar o bem, os primores do seu espírito privilegiado, a riqueza do seu saber pouco vulgar.
O Professor Serras e Silva teve ontem mais uma vez, a feliz oportunidade de poder verificar quanto os seus subordinados - que se juntaram em elevado número, vindos de vários pontos do país - apreciaram a sua superior conducta e amiga direcção nos serviços que dirigiu brilhantemente desde 1933. E viu, também, que a sua actividade mental, o seu labor socialmente perfeito e profundamente construtivo - porque é essencialmente cristão - fizeram com que se congregassem, para o saudar, outras pessoas que aproveitaram a oportunidade para testemunhar ao Doutor Serras e Silva, o preito da sua vivíssima admiração. Entre estas individualidades, tomámos nota dos seguintes nomes: Dr. Soares Franco, representante do sr. Ministro da Educação Nacional; Dr. Lopes da Fonseca, antigo Ministro da Justiça; dr. Pereira Dias, Director-Geral do Ensino Superior; dr. Pires de Lima, Director-Geral do Ensino Secundário; dr. Cristiano de Sousa, Director-Geral do Ensino Primário; Professor Doutor José Bacalhau, lente da Universidade de Coimbra; Dr. Lopo de Carvalho, Director da Assistência Nacional aos Tuberculosos; Dr. Jorge de Faria, Presidente do S.N. dos Jornalistas; deputado dr. Moura Relvas; dr. António Pestana, professor do Liceu Gil Vicente; França Dória Roque da Fonseca, presidente da Associação Comercial de Lisboa; Mons. Pinto de Abreu, dr. Pacheco Miranda, antigo director da Sanidade Escolar, etc.
As «Novidades» - que têm no Professor Doutor Serras e Silva um dos seus mais cintilantes e respeitáveis colaboradores e amigo dedicadíssimo - fez-se representar pelo nosso colega de redacção, Dr. Marinho da Silva.
 
O Sr. Dr. B. Jorge Calado iniciou  a série de discursos, na qualidade de adjunto do Director - Geral da Saúde Escolar
 
No gabinete do Director - Geral da Saúde Escolar, o sr. Professor Doutor João Serras e Silva, viu-se rodeado por quási todos os médicos escolares de Lisboa e da província, bem como as restantes individualidades a que nos referimos e o funcionalismo da mesma repartição.
Dada a sua situação de adjunto do director-geral, usou primeiro lugar da palavra o nosso muito prezado colaborador, sr. Dr. B. Jorge Calado que, visivelmente comovido, leu o seguinte discurso:
«De longe vem o pensamento de uma homenagem condigna à celebração desta data imemorável. Ouvira V.Exa, o nosso empenho, mas recusara-se a cooperar em sua efectivação.
Longos meses decorridos, houve de reduzir-se a amplitude da homenagem às proporções de um gesto que não pudera ser rejeitado por um nobre coração, em face dos corações seus subordinados. E este gesto colectivo resume-se no esfolhar das saudades que V.Exa. mesmo semeou pelos caminhos desta Diracção-Geral, alumiados pelo espírito e coração do Mestre, nas virtudes exemplares e nos seus primores culturais.
Bem precária é a minha cooperação nesta missão de justiça, que, certo e melhor, se afirmara no silêncio augusto, mais eloquente do coração. Mas se palavra débil, nada sabe exprimir, seja suprida a insuficiência, no ritmo interior da emoção, a única e boa via ao espírito de quem tudo adivinha, perscruta e completa - ao espírito e coração - síntese perfeita do amor, sofrimento, trabalho e sabedoria.
Amor, que é a irradiação de santidade nas entranhadas dedicações à família, pátria e humanidade.
Sofrimento, que é dar-se generosamente o ser, na abdicação total de si mesmo.
Trabalho, que é o esforço de maior utilidade ao serviço da boa causa educativa.
Sabedoria, que é a luz derramada a fecundar a eficiência do amor, sofrimento e trabalho.
 
Exmo. Senhor: - Faz hoje, precisamente 70 anos que, numa aldeia de três ou quatro fogos, lá nessas serranias onde Portugal é mais Portugal, nascera alguém, que acrescentaria àqueles fogos, o fogo bendito de uma vida, repartida em 32 anos do século XIX e 38 do século XX, - O século das Luzes - (o século da ciência); e o século da fé redentora, (o século da renovação social).
Coincidência impressionante, é esta a evolução de uma vida superior e completa, no entrelace de duas épocas próximas no espaço e no tempo, mas tão diversas em sus directrizes culturais !...
Esse século das luzes, tão rico de produção científica e de génios da ciência, mas tão pobre de riquezas morais, não bastara às construções filosóficas mais altas do espírito: o que fizera dizer a Lacordaire que a ciência é ineficaz na formação moral.
Não o dissera hoje tão absolutamente, no amplo conceito da pedagogia científica moderna; sendo que a ciência pela «disciplina mental» é um precioso meio de educação, alavanca prodigiosa, quando a «potência» e a «resistência» jogam na fixidez de um ponto de apoio.
Esse ponto de apoio é exactamente o que Lacordaire negara à ciência em si mesma, porque mais alto está o ponto, que do Alto domina.
Esse ponto de apoio, é em V.Exa. a inabalável Fé que sabe servir-se da ciência para seu fim de bens e riquezas culturais, no Absoluto do Bem, Verdade e Beleza.
Quis Deus, pois, que uma vida bem vivida no amplexo da ciência e fé, houvesse de evoluir no momento preciso em que os elos de um século de luzes aspiravam às correntes redentoras de um século de Fé.
Auroras de salvação se anunciam neste novo Tabor de deslumbramentos espirituais.
E porque todas as épocas têm os seus profetas, é V.Exa., por justa conquista de  dons, um dos seus maiores, na hora decorrente, Profeta trabalhado na disciplina mental superior do espírito e no jorro heróico das correntes que partem do coração. Profeta, em que o positivismo científico do século XIX, bate à porta do século XX, a fecundar a ciência, com as altas direcções da luz superior da fé.
Falar da Obra educativa de V.Exa., é ouvir atónito as vigorosas argoladas ao pórtico desse novo templo que se abriu ao mundo de quem tem na asa, as portas sempre abertas do ideal.
Falar da obra de V.Exa., é evocar a explosão radiosa e fecunda de uma actividade,  a mais activa no serviço, na ordem, no método; na direcção, no conselho e no exemplo; na exactidão, no rigor e no sacrifício; no conhecimento profundo das ciências da educação; e no deslumbre de um clarão de Fé, sempre vivo em nossos espíritos.
E, se por cruel disposição legal, a lei quer e manda, não se perde todavia o valor, na legalidade dos decretos: E se importa e nos cumpre respeitá-los, seja o respeito à lei em sua letra, a afirmação mais alta do valor, em seu espírito.
O espírito de V.Exa. não morre e antes vivificará de suas luzes, leis, decretos. Nem mesmo deixa de iluminar quem quer que o foco irradia pelos caminhos, na opulência da luz e até por aqueles que não querem ser iluminados. Resiste à morte do espírito, só quem é vida superior do espírito.
E para além da morte do corpo, que Deus afaste por longos anos do homem celebrado,maior vida brotará da irradiação. E esta cadeira nobilitada por V.Exa., ficará sendo o altar da romagem pedagógica e da veneração pelo mestre exemplar. E este gabinete da Direcção-Geral, será para todos nós o templo da sabedoria onde a Veneração ajoelha para o venerar.
De alegrias do parabem e das tristezas do apartamento é feita a homenagem que trazemos a V.Exa..
Parabéns à vida, cujo aniversário natalício hoje passa por graça de Deus, na perene mocidade e saúde do espírito, e na harmonia das energias físicas e espirituais que zombam do tempo e o arrancam da ampulheta implacável, com vigoroso pulso.
Mas também, angústia de saudade, que é ainda - parabem - na revivificação do amargo sentimento que mais avulta veneração, o respeito, e a dedicação,na ausência.
E por último, permita-nos V.Exa., de guardar a humilde palavra dela, aqui presente em espírito, a Senhora de todas as virtudes, que por esposa muito amada e exemplar, é a vida e o amparo do Mestre, exemplo sempre vivo de beneficiências, a força oculta, que Deus alimentará de sua misericórdia, na longa vida de perfeição e sedutoras energias purificadoras.»
O sr. Dr. B. Jorge Calado, sempre escutado com vivo interesse, disse mais:
« - Levados pelos mesmos sentimentos de admiração e respeito, quiseram os senhores oficiais desta repartição, em homenagem que muito os dignifica, oferecer a V.Exa. uma pasta tão rica de intenção quanto modesta de valor material simbólico de sua gratidão, ao espírito do seu eminente director.
Digne-se, pois, V.Exa. guardá-la como lembrança dos corações que o veneram e significado do muito que lhes fica, para justo galardão! ».
Depois de abraçar o orador o Professor Serras e Silva recebeu, por entre vivos aplausos, a pasta de marroquim vermelho, com incrustações de prata - que encerrava um pergaminho, iluminado com os nomes dos funcionários ofertantes.
 
Os médicos e as visitadoras associaram-se à homenagem e aproveitaram o ensejo para elogiar a obra do ilustre Mestre
 
O sr dr. Daniel de Sttau Monteiro, leu um elegante e sentido discurso, em nome dos médicos-escolares ali congregados para homenagear o seu eminente director, professor prestigioso da Universidade de Coimbra, de quem traçou um eloquente e expressivo perfil, acentuando:
- Recebendo-nos constantemente de uma maneira que não podia deixar de nos sensibilizar, ouvindo-nos e atendendo-nos sempre com marcada benevolência, mostrando todo o interesse que lhe merecia a nossa modesta actividade, aconselhando-nos em todos os momentos difíceis sem nunca diminuir o valor das nossas iniciativas ou arrefecer o nosso entusiasmo, procurando persuadir-nos do que era mister fazer sem tentar impor-nos rígidas normas, V.Exa. será lembrado com carinhosa saudade.
É que V.Exa. não trouxe para a nossa Direcção-Geral apenas o alto valor da sua provada inteligência e competência - o que já representaria para nós um incalculável auxílio; além do seu muito saber V.Exa. trouxe-nos, também, a larga experiência e o exemplo da sua própria vida. Ligado a um espírito de eleição, V.Exa. tem um lar ideal. Nele pode V.Exa. continuar os seus pensamentos, na certeza de lá encontrar sempre o acordo de uma opinião esclarecida e sensata. V.Exa. prégou a necessidade dos valores morais, e, como crente, como chefe de família e como português, mostrou-nos praticamente as suas vantagens.
Se V.Exa. nada tivesse escrito sobre a utilidade de uma vontade forte, toda a sua vida de estudante representaria para nós uma demonstração evidente dos incalculáveis benefícios dessa força espiritual.
O orador alargou-se em judiciosas considerações e citou - para provar o seu asserto de que «nem sempre é a idade marcada na certidão de baptismo que torna os homens aptos ou ineptos - : algumas grandes figuras da História, e concluíu:
-Quanto a V.Exa., nós temos o prazer de constatar que o seu espírito é ainda um espírito moço, capaz de nos dar grandes ensinamentos de actividade e construção. Pelo muito que devemos e pela grande saudade que nos deixa, receba as nossas mais afectuosas despedidas e a nossa profunda gratidão!
Terminada a manifestação de aplauso que coroou as palavras do orador, adiantou-se o sr. Dr. Américo Cortês Pinto, intérprete do sentir dos seus colegas na 2ª área da Saúde Escolar que focou a grande e fecunda obra levada a efeito pelo preiteado, para concluir deste jeito: - Vai V.Exa. deixar-nos ? - Engano ! O autor da Obra é o que a delineou e lhe construiu o arcaboiço e lhe determinou a arquitectura.
O espírito de V.Exa ficou assim indissoluvelmente ligado à obra que empreendeu e iniciou. Por isso, os médicos da 2ª Área da Saúde Escolar resolvem não apresentar as suas despedidas. Em nome deles, afectuosos e agradecidos cumprimentos.
Novos aplausos.
O sr. Dr. Fernando da Silva Correia, delegado dos médicos da 3ª área apresentou, num caloroso improviso o preito de grata saudação de todos os seus pares, salientando que o Professor Doutor Serras e Silva, pelas doutrinas que expôs, pelo caminho que traçou, pela orientação que soube, com rara competência, dar à sua obra, conseguiu conquistar a admiração e o entusiasmo de reitores e professores, transmitindo-lhes o fogo da sua fé, como em outras eras os corredores olímpicos transmitiam o facho simbólico. Fez mais o sábio Director Geral da Saúde Escolar, fez estudar.
O orador, que no fim do seu discurso, ouviu muitas palmas, saudou ainda o Professor Serras e Silva pela circunstância de se encontrar em franca convalescença a sua ilustre Esposa, senhora de virtuosos predicados de Coração e Alma.
Por fim, leu alguns trechos do último relatório que entregava ao sr. Professor Serras e Silva, no qual faz o elogio do homenageado.
Desse documento, extraímos os seguintes passos:
«Não há ninguém que lide com o sr. Doutor Serras e Silva que não tenha ficado surpreendido com a realidade de Sua Exa. ser já atingido pelo limite de idade, tão moço se mostra constantemente o seu espírito, tão vivo e brilhante é sempre o seu raciocínio, mesmo nos momentos dolorosos em que mais angustiosas preocupações devidas a doenças lhe torturem a alma de marido e pai exemplar. É que o sr. Doutor Serras e Silva, por temperamento, por excelente orientação recebida e principalmente por uma auto-educação fora do vulgar, criou o hábito de não pensar só em certos dias ou em certos momentos, como faz a maior parte da gente, como quem só dá esmola aos sábados por só então pensar que há miseráveis, mas pensa constantemente antes de dizer ou fazer seja o que for, discutido, de bom grado, mesmo quando vê que os discordantes se estão manifestando fora da razão com uma modéstia e uma bondade bem dignas de registo, especialmente em épocas como a nossa, em que o êxito rápido tenta tanta gente».
A sra. D. Camila de Brito Sequeira antes de oferecer um cesto de magníficas rosas, leu a seguinte mensagem: «Agora que V.Exa. por uma imposição da Lei, vai deixar a Direcção da Saúde Escolar, onde os altos dotes da sua inteligência e bondade por tanto tempo se têm revelado e imposto ao respeito e à consideração de todos os seus subordinados, vêm as Visitadoras Escolares cumprir o gratíssimo dever de lhe expressarem nestas simples mas sentidas e sinceras palavras, quanto o estimam e quanto sentem a sua partida.
É um adeus simples o destas suas humildes subordinadas, que, em preito e homenagem ao Homem que soube cumprir o seu dever, lhe vêm agora dirigir. Foi V.Exa. um Chefe e um Amigo que jamais poderemos esquecer, nos nossos corações viverá sempre como exemplo e como espelho de bondade e de rectidão. É por isso, Exmo. Senhor Director, que, com profunda mágoa e saudade o vemos afastar-se de nós e desta forma lhe deixamos aqui expresso o nosso adeus e os nossos mais ardentes votos para que todas as venturas de que é digno, venham a rodear-lhe sempre uma bem prolongada existência».
 
O Professor Serras e Silva agradeceu, num breve e comovido discurso, os testemunhos de simpatia de que foi alvo
 
O agradecimento do sr. Professor Doutor João Serras e Silva foi tão simples como comovido e ao mesmo tempo foi, ainda, uma lição de Mestre que, instintivamente, naturalmente, sempre que fala diz qualquer coisa de novo que é ensinamento a escutar e a seguir.
Em voz que soluços reprimidos faziam tremer, o sr. Doutor Serras e Silva manifestou a sua satisfação pelas carinhosas palavras que lhe dirigiram e que tão bem faziam à sua alma.
Salientou que aquela oportunidade deu a todos os presentes o ensejo de se juntarem e de, assim, se poder provar pelos discursos proferidos que a instituição que dirigiu não podia deixar de ser boa, servida por pessoas que assim sabem exprimir as suas ideias e proceder tão alevantadamente.
Referiu-se depois, reconhecidamente a cada um dos oradores e a propósito de uma afirmação do sr. Dr. B. Jorge Calado, notou que nas construções sociais é fundamental ter amor - porque só o amor é fecundo.
Porque não se improvisam as obras de educação dos espíritos, afirmou que há quarenta anos as coisas da pedagogia o preocupam particularmente. É necessário cultivar as virtudes naturais, e só cristãmente pode fazer-se - notou ao glosar palavras de um dos oradores.
A obra que empreendeu e que encetou foi na aspiração de um ideal melhor, obra que não está completa, - mas para a qual todos os funcionários daquele organismo oficial, médicos e visitadoras - cuja missão evidenciou porque elas têm o penoso, melindrosos e salutar encargo de corrigir defeitos - têm trabalhado, dedicadamente.
Não fizemos ainda grandes coisas - sublinhou - porque essas vão ser feitas de futuro.
Agradeceu as ofertas dos funcionários, e para terminar, disse que levava no coração aquela cerimónia, à qual só podia corresponder com um efusivo obrigado.
O Professor Serras e Silva, durante largo tempo, esteve a receber cumprimentos sentidos e afectuosos dos que vêm apartar-se com sincera mágoa do convívio oficial quem foi seu mestre sabedor e guia ponderado e carinhoso.
 
Por motivo da homenagem de que ontem foi alvo, recebeu o sr. Doutor Serras e Silva, de todos os pontos do país muitas centenas de telegramas dos quais damos os nomes de alguns signatários: Cardeal Patriarca de Lisboa; Professor Doutor Oliveira Salazar, presidente do Conselho; Bispo de Vatarba; Professores Doutores Ângelo da Fonseca, Egídio Aires, Álvaro de Matos, Trindade Salgueiro, Afonso Pinto, Rocha Brito, Machado Vilela, Melício Silvestre, da Universidade de Coimbra; Professores Doutores Cordeiro Ramos, Egas Moniz, Costa Sacadura, Sobral Cid, Fernando Emídio da Silva, da Universidade de Lisboa; drs. Ãngelo Vaz, Gustavo de Almeida, Abel Mendonça e Jaime Lopes Dias. Padres: Lopes de Melo, Miguel de Oliveira e Moreira das Neves; reitores dos Liceus de Pedro Nunes, Maria Amália Vaz de Carvalho, D.João de Castro, de Faro, Vila Real, Leiria, Portalegre e Feminino de Coimbra; tenente-coronel Lobo da Costa, pela «Cruzada Nun’Álvares»; Condessa de Porto Côvo, Família Campos de Melo, etc.

«NOVIDADES»: 19 de Agosto de 1941

D. Prudência Serras e Silva
 
Confortada com os Sacramentos da Igreja, que pediu e recebeu com todo o fervor, e após prolongado e cruciante sofrimento, suportado com toda a resignação cristã, faleceu a sra. D. Prudência Serras e Silva, dedicadíssima esposa do nosso ilustre colaborador e querido amigo sr. Dr. Serras e Silva, mãe da sra. D. Maria Teresa Serras e Silva Soares da Fonseca e de D. Maria Teresa e D. Margarida Maria Serras e Silva e sogra do sr. Dr. Soares da Fonseca.
Tinha 60 anos de idade e era filha dos srs. José Tavares da Costa e D. Prudência Seabra Tavares da Costa.
Senhora dotada de excepcionais qualidades de espírito e de coração, fez da sua vida um acto ininterrupto de bondade, deixando atrás de si, com a saudade de quantos a conheceram, um grande e inapagável exemplo de virtude.
Não quis nunca sair da penumbra, porque anunciar o bem que fazia era, para ela, diminuir o próprio bem.
Os pobres conheciam-lhe os gestos habituais da mão direita, aberta, em cada hora, para todas as necessidades materiais, como lhe conheciam por igual, o tom da palavra amiga, avisadora e confortante.
Quando o sr. Dr. Serras e Silva estava em Coimbra, como Professor da Universidade, mestres ilustres e estudantes encontravam diariamente na sua casa o melhor espírito de família.
Esposa devotadíssima e mão como todas deviam sê-lo, foi também uma espécie de preceptora, cheia de prestígio de quem manda com o coração para ser obedecida com estima.
Teve a experiência, às vezes cruel, de todos os sofrimentos.
Mas a sua alma forte não conhecia desânimos e era verdadeiramente edificante a serenidade com que, em mais uma crise de saúde, mostrava aceitar o encontro da morte.
Conservou viva, até às últimas horas, a inteligência que não raro assombrava os circunstantes pela maneira penetrante e certa com que via os mais variados problemas.
A sra. D. Prudência Serras e Silva deixou escrito que não queria coroas ou flores nem que fizessem convites para o funeral.
Contentava-se com a pobreza do hábito franciscano, que há muitos anos tinha preparado para amortalhar-se.
Foi cristianíssima a sua vida. Será abençoada a sua memória.
 
Condolências
 
Os despojos da veneranda senhora foram velados durante a noite por inúmeras pessoas de família e da sua amizade.
Junto do cadáver amortalhado no hábito da Ordem Terceira de S .Francisco ajoelharam para rezar o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, o Sr. Bispo de Helenópole, o Sr. Bispo de Limira, D. Rafael da Assunção, Arcebispo de Mitilene e Bispo de Vatarba.
Logo que teve conhecimento da triste notícia, o sr. Presidente do Conselho telefonou ao sr. Dr. Serras e Silva a quem apresentou condolências.
Estiveram presentes a apresentar pesâmes, entre outras pessoas, os srs. Dr. Lopes da Fonseca, Dr. Ângelo da Fonseca, dr. Sá Nogueira, dr. José Paiva Boléo, Professor Charles Lepierre, dr. Brito e Cunha, dr. Carlos Tavares, dr. Benjamim Calado, dr. Teixeira Bastos, dr. Câmara Pestana, o administrador da Companhia Colonial de Navegação, dr. Antonino Pestana; Viscondes de Santarém, dr. Eurico Lisboa e família, dr. Horácio Menano.
Pelas «Novidades» e em seu nome próprio, Cónego Fernando Pais de Figueiredo e Padre Moreira das Neves, respectivamente Director e Chefe de Redacção do nosso jornal; dr. Leite de Faria, dr. Costa Sacadura, Mos. António Vale do Rio, Artur Paulo Rodrigues, Manuel Correia de Lacerda, D. João de Macedo e Chaves, D.Judit Lacerda, D. Maria Abreu Marques Bivar Salgado, D. Elisa Teles de Macedo Correia Lisboa, D. Maria Eugénia Costa, D. Maria Cecília Costa, Carlos Cília e esposa, D. Cândida Emília de Sequeira Lobo Cília, José Teixeira Soares, Alfredo da Silva Vidal, D. Maria Benedita da Costa Santos Alves Pereira, D. Emília Manuela de Sousa Paiva Pacheco de Gonzalez Bobela, etc.
Foram também recebidos centenas de telegramas de todos os pontos do país.
Salientaremos os que enviaram o sr. Bispo de Portalegre e Castelo Branco e as Câmaras de Sardoal e de Abrantes.
 
O funeral realiza-se às 11,30
O funeral, a cargo da agência Magno, realiza-se hoje pelas 11,30 horas, da rua Rosa Araújo, 16, 1º D, em autocarro fúnebre para jazigo no cemitério da Conchada - Coimbra.
O carro fúnebre deve chegar, às 16, 30 à Sé Velha de Coimbra, onde se fará a encomendação do cadáver pelo sr. Dr. Lopes de Melo, que desde ontem se encontra em Lisboa e acompanhará o féretro.
 
Sufrágios
Às 9,30, o senhor D. Manuel Trindade Salgueiro celebrará hoje missa de corpo presente em casa da falecida. Também por sua alma se celebram outras missas em várias igrejas de Lisboa.
 
Em Coimbra
COIMBRA, 18 - Causou aqui a mais dolorosa impressão a morte da bondosa senhora D. Prudência Serras e Silva, muito conhecida nesta cidade pelos seus dotes de coração e pelos seus actos de benemerência. Já amanhã, por sua alma, se celebram missas, em várias igrejas de Coimbra - (C)
 
A toda a ilustre família enlutada e em especial ao sr. Dr. Serras e Silva, renovam as «Novidades» as suas mais sentidas condolências.

«NOVIDADES»: 9 de Abril de 1956

Faleceu na manhã de ontem o Professor Doutor Serras e Silva
O funeral realiza-se hoje, às 16 horas
 
Na sua residência, na Rua de Rosa Araújo, 16 - 1º, Dtº, em Lisboa, faleceu ontem, pelas 10 horas da manhã, o sr. Professor Doutor João Serras e Silva.
Pouco antes, recebera ainda a visita do seu médico assistente, que nada notara que fizesse prever, para tão depressa, a  morte do ilustre enfermo.
O Professor Serras e Silva finou-se serenamente, como uma lâmpada que se apagasse. Há meses que não saia de casa. E várias crises lhe ameaçaram a vida. O espírito, porém, conservava a lucidez de sempre. Presidente da Comissão de Literatura e Espectáculos para menores, não deixava de se interessar pelos trabalhos em curso e a cada passo pedia exemplares das revistas infantis portuguesas para as observar.
Pode dizer-se que leu e escreveu até ao fim.
Com a sua morte desaparece uma das mais notáveis figuras da cultura nacional, e um homem que foi, como cristão, um nobre e raro exemplo.
As «Novidades», que durante tantos anos o contaram no número dos seus mais distintos colaboradores, curvam-se perante a sua memória e exprimem à ilustre família enlutada os seus pêsames mais sinceramente sentidos.
O funeral do Professor Doutor Serras e Silva realiza-se às 16 horas de hoje, a cargo da Agência Magno, da Rua Rosa Araújo para o cemitério do Alto de S. João. Por vontade do saudoso finado, o cadáver ficará sepultado em terra, até que, daqui a cinco anos se possam trasladar para Alcaravela os restos mortais.
Apenas conhecida a notícia do falecimento começaram a afluir à residência do Professor Serras e Silva, numerosos admiradores e amigos. Ao princípio da tarde, estiveram ali os Senhores Cardeal Patriarca, Presidente do Conselho e Arcebispo de Évora. Sua Eminência rezou o Terço junto do corpo, sobre o qual se vêem as insígnias doutorais.
Às 17 horas compareceu o Senhor Núncio Apostólico. Pela tarde adiante e à noite, também ali estiveram, entre outros, os srs. Ministro da Marinha, Ministro da Economia, Subsecretário do Comércio, Monsenhor Carneiro Mesquita, eng. Simóes Crespo, dr. Lopes da Fonseca, dr. Abrantes Tavares, Cónego Amaro Teixeira, dr. José Mendonça, dr. Sá de Oliveira, comandante Henrique Tenreiro, dr. Amador Valente, Professor dr. Mário de Figueiredo, Conselheiro Abel de Andrade, dr. Fernando Correia, dr. Águedo deOliveira, eng. Vasco Vidal, dr. António Garcez, dr. José Violante, dr. José Carlos Ferreira, dr. Carlos Afonso de Carvalho, dr. Antonino Pestana e outros membros da Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores, dr. Agostinho Baptista, eng. D. Domingos Pereira Coutinho, Henry Reynand, Padre Carlos Marques, Mons. Moreira das Neves, dr. José e dr. Manuel A.Manso, dr. A. Carvalho Neto, etc.
Monsenhor Miguel de Oliveira apresentou pêsames à família em seu nome e em nome do Director das Novidades, ausente de Lisboa.
Hoje, às 9 horas, Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca celebrará missa na câmara ardente.

«NOVIDADES»: 10 de Abril de 1956

Foi uma sentida manifestação de pesar o funeral do Prof. Serras e Silva
 
Ficaram ontem depositados em campa rasa, no cemitério do Alto de S. João, os restos mortais do sr. Professor Doutor Serras e Silva, figura do maior relevo na cultura nacional. A notícia da morte foi profundamente sentida em todo o País, pois o ilustre finado, pelas suas invulgares qualidades de carácter e de inteligência, gozava da maior simpatia em todas as classes sociais.
No funeral realizado ontem às 16 horas, da Rua Rosa Araújo, 16, 1º, incorporaram-se centenas de pessoas, entre as quais se contavam altas individualidades religiosa, civis e militares, elementos do Governo e Professores catedráticos, etc., constituindo grandiosa manifestação de pesar.
O cadáver fora velado durante a noite por familiares, representações de associações religiosas e por numerosas entidades.
Às 9 horas celebrou missa de corpo presente Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca, grande amigo do saudoso professor catedrático. Entre a assistência viam-se, além de outras pessoas de alta cotação social, os ministros da Marinha e da Corporações, Arcebispo de Évora, Professor Doutor Luís Figueira, drs. Braga Paixão, Fernando Correia, Luís Lopes da Fonseca e Félix Machado; Marqueses de Sá da Bandeira, Cónego dr. José Amaro Teixeira, padre Bráulio Guimarães e Armando Monteiro.
 
Préstito fúnebre
Cerca das 16 horas, o féretro foi colocado num amplo auto-fúnebre, organizando-se logo o préstito para o cemitério do Alto de S. João. Presidiu o Rev. Padre Luís Martins Aparício, prior da paróquia do Sagrado Coração de Jesus que procedeu, na altura própria, às absolvições constantes do Ritual.
À porta do cemitério organizou-se um cortejo até à capela, caminhando junto à urna o sr. Dr. José Soares da Fonseca e sua esposa sra. D. Maria Teresa Serras e Silva, seus filhos e outras pessoas da família do ilustre e saudoso finado.
Dentro do templo, vistosamente ornamentado com crepes, o sr. Padre Aparício entoou o Libera me e outras orações do Ritual, após o que se organizou o préstito fúnebre até à campa. Ali foram dadas as últimas absolvições e rezadas orações pelo eterno descanso do saudoso finado.
Entre centenas de pessoas que se incorporaram no funeral, recorda-nos ter visto Monsenhor Dr. Carneiro de Mesquita, em representação de Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca; coronel Esmeraldo Carvalhais, pelo Sr. Presidente do Conselho, ministro da Presidência, do Interior, Justiça, Marinha, Educação Nacional, Finanças, Corporações, Economia e Comunicações; representantes do Ministro da Defesa e dos subsecretário de Estado do Exército, do Comércio e Indústria e da Agricultura; Professores dr. António Meliço Silvestre, em representação do reitor da Universidade de Coimbra, da Faculdade de Medicina e do director dos Hospitais da Universidade; monsenhor Ferreira da Silva, pelo Sr. Arcebispo de Cízico; dr. Costa Leite (Lumbrales), presidente da Câmara Corporativa; drs. Paulo Rodrigues e Gastão de Deus Figueira, em representação da Assembleia Nacional; drs. Mário de Figueiredo, Lopes da Fonseca, Pinto Barriga, Rafael Duque, António Gonçalves Rodrigues, Mendes de Matos, Paiva Boléo, Gustavo Cordeiro Ramos, Gustavo de Almeida, Raul Machado, Agostinho Veloso, D. João de Almeida, J.S. da Silva Dias, E. Antonino Pestana, Abranches Martins, Félix Machado, Campos Tavares, Luís Supico Pinto, Braga Paixão, Ubach Chaves, Eduardo Coelho, José Rocheta, Azevedo Pires, Costa Sacadura, Cavaleiro de Ferreira, Carneiro Pacheco, Jaime Lopes Dias, Garcia Pulido, António Luís Gomes, Vieira de Almeida,, J. Francisco Rodrigues, A. Santa Marta, A. Medeiros de Almeida, Câmara Pestana, Oliveira Guimarães, engs. Cancela de Abreu, André Navarro, Galamba de Oliveira, Diogo Sobral, Vargas Moniz, Alves de San- Payo, Sebastião Ramires, Branco Cabral, Simões Crespo, Calheiros Lopes e Vaz  Pinto; comandantes  Sarmento Rodrigues, Nuno de Brion, Pereira da Fonseca, Alves Leite, Galeão Roma, Celstino Ramos, Horácio de Carvalho e Lopes Alves; general Afonso Botelho; brigadeiro Pina Tormenta, coronel Mário Cunha, capitão Agostinho Lourenço, visconde de Santarém, tenente-coronel Fróis de Almeida, dra. Maria Guardiola, marquês de Sá da Bandeira, visconde de Rio Torto, conde de Paço de Arcos, conselheiros Sousa de Vasconcelos e Lourenço Vasco; condessa de Almoster, coronel Óscar de Freitas, Monsenhor Lopes da Cruz, cónego José Amaro Teixeira, Pedro Correia Marques, dr. Cunha Leão, Padre Costa Monteiro, José Rodrigues Lopes, Júlio Caiola; Padre José Maria Queijo Cabral, do Seminário da Guarda; Governador Civil da Guarda; eng. Quartim Graça, dr. Ribeiro Horta, dr. Geraldes Borba, dr. Beleza dos Santos, comodoro Quintanilha de Mendonça, António Tinoco, antigo director do Diário Popular, eng. Carlos Alves, José Rodrigues Lopes, em representação da «Casa da Sorte», etc.
As Novidades estiveram representadas no funeral pelo Director, Monsenhor Dr. Avelino Gonçalves, pelo chefe de Redacção, Monsenhor Moreira das Neves: e ainda por Monsenhor Miguel de Oliveira e por vários redactores.
À ilustre família enlutada renovamos a expressão do nosso profundo pesar.
Os serviços fúnebres estiveram a cargo da Agência Magno.
 
Telegramas de condolências
De todo o  País a ilustre família enlutada recebeu expressivos telegramas de condolências. Salientamos os da Senhora Infanta D.Filipa de Bragança, eng. Arantes e Oliveira, Ministro das Obras Públicas, cons. Albino dos Reis, general Pereira Coutinho, dr. Alçada Guimarães, eng. Couto dos Santos, drs. Urgel Horta, Carlos Moreira, Rui Ulrich, Bustorff Silva, Carlos Pinto Coelho, Pacheco de Amorim, Augusto Vaz Serra, Novais e Sousa, coronel Armando Larcher, Direcção do C.A.D.C., dr. G. Braga da Cruz, bispo de Lamego, dr. Domingos Braga da Cruz, eng.Albano Homem de Melo, dr. António Pereira Forjaz, D. Miguel Sampaio e Melo, drs. João Porto, Juvenal Esteves, Maximino Correia, Álvaro Vilela, Sampaio e Pinho, Araújo Correia, Matos Romão, Providência e Costa, condessa de Penha Garcia, Prof. José Manuel Pinto Coelho, Celso da Câmara Pestana, dr. António Maria Pinheiro Torres, Manuel Magalhães, dr. Afonso Queiró, Arménio Cardo, Joaquim Chambel dos Santos, Albertino de Matos, general Sousa Gomes, drs. Alberto e Joaquim Dinis da Fonseca, dr. Júlio de Lemos, Caetano Rocha, dr. Valadão Chagas, Mons. Santos Carreto, dr. Manuel Sebastião Cabral, Professor Doutor Ferrand de Almeida, Manuel Cardoso Pinto, dr. António Matos Beja, eng. Perestrelo de Vasconcelos, dr. Cruz Filipe, almirante Ortins de Bettencourt, dr. Madeira Pinto, eng. Óscar Saturnino, dr. Raul Davim, comandante Soares de Melo, Professor Doutor Elísio de Moura, dr. Silvano Marques, dr. António Pinto, eng. Rabaça de Carvalho, comandante Henrique Jorge, dr. Fernando Carneiro, dr. Manuel Colares Pereira, viscondes de Vilar d’Allen, condessa de Almoster, Bispo de Portalegre, major Luciano Cardoso, comodoro Eduardo Pereira Viana, Professor Leonardo Castro Freire, coronel Valente de Carvalho, general Afonso May, Professor Goms da Silva, etc.

«O DISTRITO DE PORTALEGRE»: 8 de Outubro de 1960

Perante o Subsecretário da Educação Nacional inaugurou-se, no passado domingo, em Alcaravela, um busto à memória do PROF. DR. SERRAS E SILVA - Homenagem póstuma.
 
Na ribatejana aldeia de Alcaravela inaugurou-se, no passado dia 2, com a presença do Subsecretário da Educação Nacional, Dr. Rebelo de Sousa, um busto à memória do Dr. Serras e Silva. É a homenagem grata da terra que serviu de berço ao catedrático e pedagogo que em Portugal nas últimas gerações, foi dos maiores e mais insignes.
«Como os homens do humanismo italiano, a sua curiosidade de espírito» era «universal». Além de inúmeros estudos e suculentos artigos dispersos por revistas e jornais, contam-se para cima de uma dúzia de livros por ele publicados.
«A vivacidade do seu espírito» que nunca a sua «erudição vastíssima» afogou, « a sua modéstia», «o seu sentido pedagógico», « a clareza de exposição», a sua «inteireza de carácter e de profundo sentido moral» granjearam-lhe entre universitários e catedráticos as maiores simpatias e amizades.
Em Coimbra, a sua casa «tornada em salão de agradável convívio intelectual» foi assiduamente frequentada por Gonçalves Cerejeira, Oliveira Salazar, Mendes dos Remédios, Pereira dos Reis, Trindade Salgueiro, Lopes Fonseca, Castro Meireles e tantos outros que, em Portugal, ocuparam ou ainda ocupam os lugares mais relevantes no campo das letras, na hierarquia eclesiástica ou na vida nacional.
Com a sua forte e vincada personalidade, apesar da época movediça e agitada em que decorreu a sua existência - nasceu em 1868 e faleceu em 8 de Abril de 1956 - conservou-se sempre homem crente, de uma fé convicta, incarnada e palpável na sua vida de católico praticante, combativo e lutador pelos interesses da Igreja. O C.A.D. C. muito lhe deve. Em Serras e Silva teve um dos principais mentores.
«O Distrito de Portalegre» que o eminente catedrático, por mais de uma vez, honrou com a sua valiosa colaboração, uniu-se - considerando-o como um dos seus - à homenagem que o povo de Alcaravela lhe quis prestar e esteve presente na pessoa de um dos seus responsáveis.
Alcaravela tinha uma dívida em aberto para com a memória do Professor Doutor Serras e Silva e foi o alcaravelense, Sr. António Lopes Chaves Júnior que tomou a iniciativa que mais ninguém podia tornar exequível, de concretizar num busto de homenagem, a gratidão e os sentimentos de admiração, carinho e respeito de todos os alcaravelenses pelo mais ilustre dos seus filhos.
Foi marcado o dia 2 de Outubro corrente para descerrar o busto do Dr. Serras e Silva que no largo espaçoso da igreja fica a perpetuar a memória do ilustre alcaravelense que foi o Professor Dr. Serras e Silva, ainda no ânimo de todos os seus conterrâneos.
Estiveram presentes os Srs. Dr. Rebelo de Sousa, Subsecretário da Educação; Dr. Valadão Chagas, Director-Geral dos Desportos; Brigadeiro Lino Valente, Governador Civil de Santarém; Professor Dr. João Porto, Director da Faculdade de Medicina que foi também, em representação da Universidade; Professor Dr. Meliço Silvestre, sucessor do homenageado na cadeira de Higiene; Professor Dr. Eduardo Coelho, Engº Calheiros Lopes, Dr. Américo Cortês Pinto, Delegado do I.N.T.P., de Coimbra; Dr. Manuel Ferreira Manso, Juiz Corregedor; Dr. Moura Relvas, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. José de Paiva Boléo, Engº Duarte Lemos; Dr. Antonino Pestana, representando o Presidente do Instituto de Alta Cultura; Dr. José Ferreira Manso, Subdelegado de Saúde que também representava o Governador Civil da Guarda; Dr. Armando Moura Neves; Sr. Júlio Rodrigues Garcia, Presidente da Câmara Municipal de Sardoal; autoridades civis, militares, vários sacerdotes do Arciprestado ou filhos de Alcaravela, muitas outras individualidades e grande multidão de gente vinda, sobretudo, das diversas povoações da freguesia. Estavam também presentes suas filhas Dra. Maria Teresa Serras e Silva Soares da Fonseca; D. Margarida Serras e Silva; seu genro Dr. José Soares da Fonseca, seus netos e várias pessoas aparentadas.
 
A SESSÃO
Depois de um cortejo organizado desde a casa que foi pertença do homenageado, seguiu-se a sessão numa das salas da escola primária que foi presidida pelo Subsecretário da Educação, ladeado à direita pelo Director-Geral dos Desportos  e pelo Sr. Dr. João Porto. À esquerda encontravam-se o Sr. Governador Civil de Santarém e o Sr. Presidente da Câmara do Sardoal.
Aberta a sessão pelo Dr. Valadão Chagas em nome do Sr. Rebelo de Sousa, tomou a palavra o Sr. António Lopes Chaves, ilustre filho de Alcaravela, promotor principal e organizador da homenagem póstuma, para dar razão da presença de tão ilustres individualidades e enaltecer a memória do falecido Professor Doutor Serras e Silva.
Na impossibilidade de darmos o discurso na íntegra damos, apenas, alguns excertos.
Depois de proferir algumas palavras de agradecimento e dar a razão da sua presença naquele lugar, o sr. António L. Chaves traçou o perfil moral do homenageado, dizendo textualmente:
Conhecemo-lo nesta pequena aldeia, sua terra natal, que tão querida, tão predilecta lhe era. Já lá vai cerca de meio século. Sempre pela vida fora, no seu conjunto expressional humano, nos inspirou, além do maior respeito, a mais funda admiração e, também, enternecido carinho e estima.
Era sumamente bondoso e complacente, o Sr. Dr. Lente, como todos aqui o tratávamos. Logo que aparecia por Santa Clara, corria de boca em boca, por toda a freguesia: «Já cá está o Sr. Dr. Lente Serras». Era um lenitivo, um consolo, para os seus conterrâneos, e, era também desvanecimento, pois víamos nele, o amigo dedicado, o homem superior, sempre generoso, protector, a quem se recorria, já para minorar as dificuldades originadas pelo meio pobre em que vivíamos, já para receber um conselho amigo, carinhoso, mas sempre orientador, informado e circunspecto.
Alcaravela foi, em todos os tempos, terra de gente humilde cristã. Afastada dos grandes aglomerados populacionais, praticamente sem comércio e sem indústria, toda a labuta do sue povo sacrificado e trabalhador se tratava com a terra estéril, infecunda, numa agricultura de produção extremamente débil e deficitária.
Há 50 anos, vivia-se nesta região em condições difíceis, grandemente precárias, num nível de vida que tomava o limite ínfimo que a um ser humano deve ser consentido.
Gente trabalhad
ora é a nossa; gente boa, onde o espírito de sacrifício e a renúncia constituem o o denominadorr comum de todos, ou quase todos, os lares.
Também o nosso saudoso homenageado não fugiu a esta conjuntura geral na sua juventude; e, embora, a sua honrada e boa família, pudesse ser considerada, relativamente, das que melhor se defendiam, como possuidora de um dos maiores e melhores activos, prédios rústicos, tudo isso era pouco, comparado com o que vulgarmente consideramos desafogo, abastança.
Lutou muito, pondo à prova a sua tenacidade, a sua persistência e perseverança, a sua indomável vontade de vencer, e, também a sua privilegiada inteligência, para atingir a sua alta posição científica, cultural e social, que fizeram dele a elevada personagem que sabemos e que tanto admiramos.
Amava a Deus, amava a Pátria e amava devotada e enternecidamente a Família, o nosso tão saudoso Professor Serras e Silva. E também amava, podemos afirmá-lo com verdade, toda a humanidade, pois a sua alma caritativa e sempre generosa, interessava-se abnegadamente pelo bem do próximo.
Coração aberto às solicitações, às instâncias justas e legítimas que a ele recorriam, em busca de amparo material e moral, a todos a sua alma acolhia com verdadeiro espírito humano e cristão.
A sua vida oferece-nos, meus Senhores, elevado exemplo, belo e relevante modelo, pelas suas excepcionais qualidades de carácter. Sempre dedicado ao amor da Família, à prática do bem, ao estudo, ao ensino e à educação, constituía, na verdade, uma forte individualidade, manifestada através de diversas actividades.
Brilhante conferencista, exímio pedagogo, notável sociologista, foi considerado como um dos professores que mais enobreceram a Cátedra portuguesa, pela sua preclara ductilidade de espírito e pela sua vasta e bem formada cultura. Professor que elevou as suas funções à dignidade de autêntico sacerdócio, era mestre em toda a parte. Espírito superior, sempre atento aos problemas do seu tempo, foi sem dúvida, um intelectual da mais elevada estatura, como mestre ilustre de várias gerações. A sua obra, como professor e como jornalista, foi das mais fecundas e das mais brilhantes. Na Cátedra e na tribuna da Imprensa, consumiu boa parte da sua vida laboriosa ao serviço da educação e da instrução.
Escreveu algures o Sr. Professor Dr. João Porto, seu inconfundível amigo e admirador:”Pela pluralidade de assuntos que versou durante a vida docente, pode bem dizer-se que possuía uma alma com vários andares”.
E mais disse o citado e distinto Mestre: “ O ideal do Sr. Dr. Serras e Silva foi sempre a formação moral e cultural da sociedade portuguesa, com primazia para aquela; e sempre com tal objectivo, foi mais que um propagandista: foi mesmo um apóstolo”.
Muitas vezes, nós lhe ouvimos dizer - pois a todos e em toda a parte ensinava - que os conhecimentos sem aplicação, eram inúteis e que os acontecimentos de que não pudessem tirar-se quaisquer ensinamentos, que nos guiassem na vida, pouco apreço mereciam.
Como homem, foi sempre da maior lealdade e correcção. Servido por uma inteligência penetrante, era admirável como relacionava os factos, investigando cuidadosamente as suas causas. Carácter íntegro, levando uma vida sempre concordante com as ideias que professava e defendia, de serenidade imperturbável, era avesso a alardes, vaidades e exterioridades.
Como cristão, a sua viva fé, iluminava toda a sua vida.
 
O orador apresentou, em seguida, a razão da justiça que assistia a tal homenagem, dizendo:
Pois bem, Alcaravela, o povo desta freguesia, não podia esquecer esta dívida de gratidão para com o seu maior e mais ilustre filho. Quer esta nossa gente, com a celebração desta oportuna e justíssima consagração, patentear que não esquece os seus mortos e que apesar de diminuída em bens temporais, o não é em riquezas de espírito, desta ordem.
Levantou-se o pequeno monumento que se descerrar dentro em breve, como perpetuação à memória do nosso ilustre Conterrâneo; e fazendo-o, a nossa terra, sem dúvida, enobrece-se e dá um exemplo, que estamos convictos, não deixará de constituir digna sugestão, para outras terras também pequenas, do nosso Portugal, berços de homens ilustres, que ao País, hajam prestado assinaláveis serviços.
E não deixará de ser bem apropriado e oportuno que neste ano das grandes Comemorações Henriquinas, se tenha erguido o busto que vamos inaugurar, como exaltação àquele que foi emérito Professor da História dos Descobrimentos e que tanto vibrava, narrando e interpretando as glórias dos nossos Grandes Heróis de Quinhentos. Afirma, quem bem conhecia a sua erudição, que tinha uma cultura fora do vulgar, mesmo em assuntos históricos, cultivando com devotamento, também a ciência social.
Mais adiante:
Podia ter sido na vida, muito daquilo que tantos, vaidosamente ambicionam. Mas não o quis. O seu Nacionalismo e o seu interesse pela Governação Pública, pelo ensino, pela educação, eram verdadeiras e sérias manifestações do seu inegável, indefectível e devotado patriotismo.
 
Conclui, por fim, cumprimentando as pessoas da família do Professor Serras e Silva, suas «ilustres filhas», «seu douto e preclaro genro», «seu simpático e já ilustre neto» e «suas gentis e boas netas».
As últimas palavras foram coroadas de fartos aplausos.
Seguiu-se no uso da palavra o Sr. Dr. Vasco B. Da Costa, director do Centro Médico Social da Mocidade Portuguesa. Pôs em relevo a personalidade polifacetada do Professor Serras e Silva, chamou-o educador integral, e apresentou-o, sobretudo, como Director-Geral da Saúde Escolar, pioneiro e inovador que introduziu no campo da higiene escolar a «higiene do espírito».
Falou ainda o Presidente da Cãmara do Sardoal que saudou todos os presentes em nome do Município, disse da sua satisfação e frisou vários aspectos da pessoa e obra do Dr. Serras e Silva. Por fim levantou-se o Sr. Dr. Nuno Maria Soares da Fonseca para agradecer em nome da família. Fê-lo com sobriedade, com elegância, com religioso respeito pela memória de seu avô.
O Sr. Dr. Rebelo de Sousa, ilustre Subsecretário da Educação Nacional, encerrou a sessão. Aqui deixamos exarados alguns passos do seu discurso, como preito de homenagem póstuma à memória do Professor Serras e Silva.
 
...Homem feito por si, por esforço próprio, à custa de uma inteligência e tenacidade raras, não desbaratou o seu talento, antes o aproveitou, o fez render e lhe deu utilidade - essa utilidade, essa doação permanente, esse sentido de acção prática que foi característica dominante da sua personalidade.
Um afã de trabalho construtivo dominou inteiramente a sua vida: os quarenta anos de serviço prestado às suas escolas, à sua Universidade; e todos os outros, que para além deste prestou ao País, no remanso do seu lar acolhedor, pela palavra escrita e falada, no desempenho de múltiplas e importantes funções.
Mestre na sua cátedra, mestre para além da sua cátedra, Serras e Silva ficou assinalado de forma indelével, como um grande apóstolo na forma moral e cultural da sociedade portuguesa.
- Se o interessavam vivamente os problemas sanitários, nomeadamente de climatologia médica, de cromatologia, de epidemiologia, da saúde escolar e da educação física, e os da sociologia experimental, da política e da religião, sendo em muitos casos precursor de movimentos então em progressão, é no campo da pedagogia que o vemos, de forma constante, na primeira linha.
Como se sabe e muitas vezes tenho repetido - ninguém pode dar o que não possui. O Professor Serras e Silva, ao batalhar incansavelmente pela instrução e educação do povo português, fazia transbordar de si o que o enchia plenamente e resultava não apenas do estudo, da reflexão, mas da sua própria e rica experiência pessoal...
E mais adiante:
Este homem, juntava aos seus títulos de professor, de cientista, outros mais que revestiam de maior força as suas palavras: tinha autoridade moral.
Quantas vezes ouvimos belas exposições doutrinárias, clarividentes comentários, excelentes ensinamentos...ah!, mas uma coisa é falar - e outra viver! O domínio e a repercussão atingidos no País pela actividade de Serras e Silva, vinham-lhe mais do que do prestígio da cátedra - da vida exemplar do homem.
Este, para mim, o maior mérito do homenageado: não se quedava em palavras, traduzia-as em acção e na sua própria vida!
É a pedagogia do exemplo, sem o qual todo o ensinamento resulta pobre, diminuído, frouxo, senão ineficaz.
Serras e Silva foi exemplar como filho, como marido, como pai, como colega, como professor, como crente e como cidadão - daqui a autoridade do seu magistério!
Não vamos avançar - na cegueira que ele próprio não perdoaria - afirmando que tudo quanto disse e defendeu estava certo. Aqui e ali, há motivos de dúvida e discordância. Interessa apenas reconhecer que procedeu sempre na sincera persuasão de que o caminho escolhido era o melhor.
E a terminar:
«Só o amor é fecundo» - dizia Serras e Silva. Por ele conquistou - assim o vemos - a gratidão dos homens - e por ele - assim o cremos - há-de ter atingido o grande objectivo da sua vida grande - o selo eterno da glória de Deus!
 
Finda a sessão procedeu-se ao descerramento do busto que, fronteiriço à escola e no largo da igreja, ficará a atestar aos vindouros a memória dum grande alcaravelense. O busto em bronze e da autoria de uma escultora alemã, foi descerrado pelo menino Manuel Francisco Barros e Carvalho, bisneto do homenageado. Assenta sobre uma base de mármore branco e é protegido por um gradeamento que então se encontrava lindamente adornado. Junto do busto foram depositadas flores pelo Sr. Eng. Calheiros Lopes.
Procedeu por último à benção o Revº Padre Francisco José Pires, pároco da freguesia e que em vida do falecido muito privou com ele. Além de outros membros da família mais afastados, estavam presentes à cerimónia as suas filhas, D. Maria Teresa Serras e Silva Soares da Fonseca, D. Margarida Serras e Silva; o seu genro Dr. Soares da Fonseca; as netas D. Maria Teresa Serras Soares da Fonseca e D. Isabel Maria Serras Soares da Fonseca e seu neto Dr. Nuno Maria da Fonseca.
Foram recebidos diversos telegramas de várias individualidades que se associaram à homenagem do bom povo de Alcaravela ao seu mais ilustre filho.