11. Notícias de há 100 anos

JORNAL DE ABRANTES

30 de Janeiro de 1910

Pelo Sardoal

A nossa correspondência no Jornal de Abrantes do último domingo, jornal que tão lido temos visto ser nesta vila, causou como era de esperar diversas interrogações e apreciações mais ou menos cabidas, ácidas, nutras, etc.

Não importa.

De entre algumas pessoas que isso faziam estivemos nós mesmo, e a ajudarmos como era razoável. Satisfaçam-se se quiserem com a leitura e não se importem com o pseudónimo do escrevinhador.

Mas vamos às notícias desta semana.

Parece um facto a criação da tal sociedade de artistas desta vila, a qual está já organizando o regulamento etc. constando-nos que, já pensa em nos divertir no próximo carnaval com uma mascarada que será convenientemente ensaiada. Se assim é louvamos-lhe o seu empreendimento pois nesses dias e últimos anos tem realmente feito sentir-se a falta de quaisquer divertimentos.

Também nos consta que pelo lado do “grupo de amadores dramáticos” nesses dias realizaria uma receita própria da época.

Há dias ficamos surpreendidos ao dirigir-nos para o talho desta vila.

Chegados ali deparámos um grande quadro encaixilhado numa soberba moldura primorosamente trabalhada de pau de pinho da terra, parece que ensebado com sebo de carneiro...Aproximámo-nos e em letras maiúsculas lemos uma qualquer corja de asneiras que ficámos estupefactos!...

O leitor não ignorará serem as carnes fornecidas por um contrato da câmara com um qualquer fornecedor a quem ela impõe as respectivas condições, além dessas, as que o código administrativo também regula.

Ora o letreiro em questão é uma ofensa ao município, no bem entender das coisas, classificadas de uma forma digna de censuras, não podemos deixar de formular esta pergunta. Mas em que terra estamos nós?...

Então a câmara e a autoridade administrativa tolera tal vexame?...

E... como agora a ocasião se proporciona perguntamos mais: qual é o assistente ao abastecimento das rezes no matadouro municipal?...

È nos concelhos onde o há isso de competência de veterinários municipais.

Mas a lei também prevê pela sagrada segurança da saúde pública e em circunstâncias idênticas às deste concelho a forma de remediar essa falta. O que aliás não pode ser, e que se deixe abater animais ao completo abandono de pessoas, já não seja esclarecida competência.

Para os factos expostos chamamos a atenção respectiva das autoridades que têm interferido no caso.

No passado domingo houve espectáculo na barraca circo pela companhia Roberto. Tiveram uma casa à cunha e, francamente a certa altura do espectáculo tivemos mais vontade de nos safar do que estarmos a presenciar um espectáculo deveras degradante para a autoridade administrativa e cabos de polícia, pelas quais autoridades era mantida a ordem, isto quando a certa altura uma porção de espectadores, alguns de reconhecida má criação, se lembraram de fazer um chinfrim de ensurdecer, assobiando, cantando, gritando e ainda como se isso fosse pouco, saltando para o meio da arena impedindo assim muitos espectadores da superior e geral não vissem uma fita de animatógrafo!

Isto é pasmoso!

Mas o caso não ficou assim, enquanto esses audaciosos até com bastante fanfarronice que vieram da geral invadir a superior, fazendo ali mesmo nas costas das autoridades administrativas uma chinfrineira doida!

Pois não ouvimos que as autoridades fizessem a bem ou a mal entrar aquela gentinha na ordem! Isto é pasmoso não há que ver.

Mas ainda nos constou que houve mais e melhor.

Enquanto isto se passava lá dentro, cá fora brigavam os cabos, isto é o mais pasmoso, mas é o que se passou, e que pessoa idónea nos conta.

Essas desordens parecem terem sido entre Júlio Calceteiro e João empregado municipal, com o cabo da polícia, Joaquim da Leopoldina e Calisto Calceteiro com Miguel Mascarenhas, tendo o Calisto desrespeitado o regedor.

Ora isto não pode ser. Não pode a bem do decoro e bom nome desta vila.

Por estes edificantes factos toda a atenção será pouca do dirigente desta vila e concelho. Onde não há respeito não há disciplina.

E até para a semana.

Sandeman

13 de Fevereiro de 1910

Pelo Sardoal

Noue Y Voici.

Nas anteriores correspondências, fizemos eco de muitos habitantes deste concelho.

Não haja dúvida, as nossas correspondências não visam pessoas, mas sim as coisas.

E, como são tantas as coisas que precisam que nos tornemos eco, representado isso do sentir dos habitantes da terra e do concelho, especialmente da sede, que não nos podemos quedar.

Assim, pois, no nosso posto iremos cumprindo esse dever.

Estamos agora na expectativa esperando as atenções das respectivas autoridades para a exposição de factos apontados naquela correspondência.

Não pode ser absemce entiér pelas coisas.

À câmara e à autoridade administrativa cumpre velar pela segurança dos munícipes e administrados.

Au Revoir

Sandeman

Política no Sardoal

Consta-nos que no Sardoal vai organizar-se um bloco formado por franquistas regeneradores e nacionalistas para o fim de dar batalha aos progressistas nas próximas eleições.

JORNAL DE ABRANTES

27 de Fevereiro de 1910

Exmº Sr. Director do Jornal de Abrantes

Ainda em nosso peito existem fundadas saudades dos tempos em que auxiliávamos, apesar da exiguidade de recursos o nosso querido tio na compostura de várias correspondências da subida do valor local que ele referenciava com o pseudónimo de Zaguncho.

Essas correspondências eram semanalmente submetidas a apreciação dos seus muitos leitores deste jornal, obtiveram sempre uma bem fundada e geral apreciação, pois que nelas nitidamente se demonstrava quão prejudicial estava sendo para este concelho, não só a forma como se gastavam os dinheiros deste município, senão também os processos fraudulentos utilizados para tal fim, iludindo-se como ainda está sendo os poderes superiores.

Desejando nós seguir a mesma orientação do nosso tio, e, esperançado na bondade de V.Exª, rogando a súbita honra de fazer publicar no seu jornal se assim o merecer esta e outras correspondências, que semanalmente lhe vamos enviar, nos quais com clareza e dados positivos, informaremos não só o nosso muito apreciado compadre Sandeman e leitores, senão também e muito principalmente, tocando no ferrolho das chefias superiores para em ocasião oportuna pedirei continhas a quem lhas dar.

O nosso compadre Sandeman envolvendo na melhor boa-fé, a câmara municipal, deste concelho, que graças a Deus nos governa até ao cometa, em uma rede que... orça por 400$00 réis, donde muito mal se poderá legalmente desembrulhar, diz nesse bem burilado período das sua correspondência do Jornal de Abrantes n.º 505 de 23 de Janeiro p.p. o seguinte:

Vai brevemente a actual câmara iniciar a iluminação pública a acetileno, estando quase concluído o gasómetro que é de uma grande capacidade. Diz-se que o seu custo e respectiva tubagem para ramificação para a vila, alguns tambores de carbureto, calculado ao preço de 40 réis o quilo, para gasómetro orça por 400$00 réis.

Diz assim tão publicamente que a câmara orça 400$00 réis para despesas com a montagem de luz retylene, é obra de acamados!

A actual câmara Exmº Sr. Sandeman, nada tem, nem pode ter em tal início pois que temos firmes e valiosos dados para dizer a V.Exª e prezados leitores que nenhum orçamento ordinário, ou suplementar a autoriza a dotar no todo ou em parte, esta vila com luzentes de grandes dimensões gigantescas, tal obra municipal devemos nós e você conhecer se legalmente está descrita e documentada a devida despesa, visto, que poderes para tal não lhe foram confiados, salvo se o foram à porta fechada.

Em uma das sessões da câmara, celebrada aqui em Setembro ou Outubro do ano findo, e, em certa altura, diz-se na acta que a comissão da célebre escola de tiro, compareceu a oferecer a montagem da luz a acetileno pois que era para a vila um melhoramento sem igual, que poderia considerar-se um progresso da melhoria da luz e economia. Que a construção do gasómetro era cá, por serem baratos os salários dos artistas, etc. Que a luz será distribuída, pelas ruas da vila, Praça, Rua dos Clérigos, Chafariz da murteira, Rua António Duarte Pires, Rua Simões Baião.

A câmara muito reverente agradecida a oferta que foi feita pela comissão, que a própria câmara, e diz câmara (que é a comissão) sim senhores, nós aceitamos o grande alvitre e prometemos auxiliar tanto quanto for preciso, etc., etc.

Em vista do que aqui deixamos dito tal doação de lamparinas a quem deverá caber tão genial alvitre que custará sem resultados 400$00 réis?...

A nós quer-nos parecer que a câmara honras nenhumas lhe podem pertencer “legalmente” no grosso da despesa orçada em 400$00 réis, mas sim somente na cedência real para o assentimento da rede dos canudos, da cedência da parte dos paços do concelho, para montagem dos fornos de fundição de metais, da cedência da casa para as oficinas de serralharia e latoaria e ainda o seu oficial zelador que dia e noite excogitava ta-ta-chos e cal-cal-deiras para fundir os amarelos para o grande gasómetro.

Quanto à casa para recolher o gasómetro também a câmara pouco despenderá, apenas o terreno que estava servindo de vazadouro, das gazes.

Ainda se nos afigura que a câmara quando, recostada nas suas cadeiras, ouvia o denso exórdio que, de pé, lhe pregava o Exmº Sr. Milheiriço, vogal da comissão da escola de tiro, e também vogal da câmara, acerca do genial invento da luz de acetileno que a Exmª comissão da escola de tiro se propõe estabelecer nesta vila, como consta numa acta, sem que do cofre do município foi como não podia deixar de ser em vista do que se está sabendo iludida no que lhe afirmava, gaguejando, o seu colega vereador farmacêutico, dizendo-lhe que os patriotas subscritores para a escola de tiro haviam dado 600$00 réis mas que eles tendo em muita conta os progressos desta vila, deixariam (mesmo nos senhores da câmara) as massas todas em proveito do novo invento da iluminação, e para o que vai a comissão da escola de tiro, enviar-lhe novas circulares, revestidas de mais tocantes lamúrias, para eles que não precisam de luz, caírem nas redes dos canudos.

Porém as circulares correram mundo, sem resultados práticos, obtendo apenas 100 mil réis. Ora estando o grande início orçado em 400$oo réis, como diz Sandeman e havendo apenas 100$oo réis, donde virá o resto?...

Aqui é que está o gatarrão da esparrela em que caiu a câmara que está com toda a força a dar a maminha ao grande fenómeno sem saber que contas há-de dar quando lhas pedirem.

As honras vêm mais tarde. Até para a semana.

Fevereiro de 1910

Zaguncho Júnior

P.S.

Não nos parece que seja muito honroso para as nobres tradições políticas do Sardoal, associar-se a um partido que deve ter páginas da história manchada de sangue real.

Zaguncho Júnior

JORNAL DE ABRANTES

6 de Março de 1910

Correspondências de Sardoal

Com bastante actividade e sob o uso e direcção do Exmº Sr. Milheiriço, vogal em exercício da comissão da escola de tiro, e também vereador da câmara municipal deste concelho, terminaram os trabalhos da abertura dos caboucos executados pelo carpinteiro Joaquim da Forneira, com os seus homens, em cujos caboucos o eminente João das Águas, munido da sua oficina ambulante, devidamente auxiliado, assentam a primor, nas principais ruas da vila, os canudos que formam a grande rede onde giram os gazes, donde o nosso Apolinário muito lesto e contente de vara em punho com o seu acendedor na ponta, puxa a tramela da portinhola do candeeiro existar os gazes acumulados até ao pipo que ele chama o assobio, donde faz ressurgir de facto a luz de boa clareza que, segundo as profecias deverá dentro em pouco, parecer-se com o que sai do rabo dos pirilampos em noites de luar.

Com porém as despesas em tal obra, são já grossas, e como tudo que diz respeito a gastos de dinheiro tem sido misterioso para os munícipes, e que sendo o proveito total da subscrição para a instalação da escola de tiro 600$00 réis quantia esta que após o toque a rebate para cada subscritor levantar a sua quota, ficou reduzida à sexta parte (100$00 réis se tanto) e com despesas feitas até à semana finda de 27 de Fevereiro, devem atingir, segundo os cálculos na língua do Rui Sénior, em cerca de 400$00 réis, cumpre-nos com toda a honestidade e para justo fim de elucidar os nossos queridos leitores, visto que a isso nos comprometemos, procurar saber de que cofre sairão as restantes massagens.

Não nos será muito difícil a tarefa, é questão de tempo, pois conhecemos um pouquinho das manobras, assaz complicadas e misteriosas, que havemos trazer á tela para o efeito de bem poderem ser arrolados à forma e processo usados pela moralíssima câmara, que a seu belo talante tem dirigido os negócios deste município há perto de seis anos!

Verdade seja, caros leitores a câmara actual é composta de algumas vergônteas saídas da sua congénere, imediatamente anterior, e como tal enfronhada em manobras “moralísticas” de lesa tranquibérnia, desviando arbitrária e ilegalmente verbas que gasta vaidosamente sem o prévio assentimento das instâncias superiores, e até mesmo o que nos parece muito ilegal e grave sem deliberações para tal, ocultando assim tudo que a sua alta moralidade ordena.

Em vista do que deixamos dito cumpre-nos aguardar a devida oportunidade para evidenciarmos o que resta dizer de tanta “moralidade” das cinco chagas do Senhor amém! O seu a seu dono, antes que esqueça temos um dever a cumprir, o qual assiste em tecer muitos rasgados encómios ao Sr. Milheiriço, dispensando-lhe as honras de um benemérito que dotou a sua terra com música e muita luz, dote este que se fazia sentir, para que todos vejam, como lhe cumpre, o que têm que ver sobre o modo e os destinos que levam as receitas municipais.

Consta que a câmara deste concelho, apresentou ao governo nos termos da portaria de 5 de Janeiro passado, pedindo-lhe o subsídio de 500$00 réis para ocorrer aos estragos causados nos caminhos vicinais e estradas a seu cargo, pelos últimos temporais.

A quantia pedida já deu entrada no cofre da câmara. Porém não haja estradas a reparar, a câmara anda em romaria pelo concelho de “Norte a Sul” a excogitar aonde gastar os tais cinco cento de mil réis, contando talvez pôr em prática os seus processos usuais.

Com imensa satisfação registamos a organização de uma sociedade recreativa, preenchendo-se assim uma lacuna há muitos anos notada nesta vila.

Apraz-nos solidez infinda e grande progresso para glórias dos dignos iniciadores, dirigentes e associados.

Até para a semana.

Março de 1910

Zaguncho Júnior