A Mina de Chumbo

MEMÓRIA SOBRE A MINA DE CHUMBO

DO

CASTELO DA RIBEIRA DAS CALDEIRAS

DO

CONCELHO DO SARDOAL

Autor: General Carlos Ribeiro - 1857

A mina de chumbo do Castelo das Caldeiras está situada a 3 quilómetros da margem direita do Tejo, 4 quilómetros a SE da Vila do Sardoal e 5 a NE da Vila de Abrantes.

Todo o terreno adjacente à margem do Tejo entre Abrantes e as Mouriscas, ainda que desigual, é pouco elevado sobre o leito do mesmo rio; porém, a uns 2 quilómetros da referida margem, já o relevo se pronuncia por colinas de altura considerável, as quais elevando-se sucessivamente e estendendo-se de maneira mais ou menos contínua para N e NNO vão formar de entre outras montanhas as serras de Alcaravela e de S. Domingos. Estas serras alongadas e quasi paralelas, separam entre si dois vales ou linhas de água que correm de Norte para Sul, o mais importante dos quais é o vale da ribeira das Caldeiras que vai entrar no Tejo entre Abrantes e Mouriscas.

Diversas formações entram na constituição do solo desta localidade e concorrem para as formas variadas que afectam o seu relevo; é assim que os xistos argilosos, os xistos subluzentes e os grauwvakes dos períodos cambrianos dão formas alongadas e recortadas às lombas que guarnecem a margem direita do Tejo até acima do Sardoal; e as quartzites e os xistos silurianos formam os dorsos sensivelmente alinhados das serras de Alcaravela e S. Domingos até à ribeira do Codes, vendo-se, por outro lado, atenuarem-se as desigualdades so solo com restos de arenatas e dos calcários do terciário lacustre e dos depósitos aluviais quaternários que revestem algumas das lombas dos xistos cambrianos, assim como partes dos vales que se encontram, desde Rio de Moinhos, até Norte e Noroeste do Sardoal. As rochas vulcânicas, enfim, manifestadas no profundo metamorfismo exercido sobre os xistos exercido sobre os xistos azóicos e fossíliferos, concorreram pela sua parte para dar uma forma mais desigual às lombas que orlam a ribeira das Caldeiras até à Alcaravela e para determinar a disposição alcantilada das margens desta mesma ribeira a montante da localidade denominada, mais propriamente, as Caldeiras.

É nesta parte do solo, onde se manifesta o metamorfismo anormal que vimos de falar, que se encontra o filão de chumbo do Castelo das Caldeiras, cortando transversalmente o leito da ribeira, correndo na direcção geral E 40 N e com a inclinação de 67º para N 40 O. Este filão é denunciado à superfície do solo por afloramentos de quartzo cavernoso e fendido, com as paredes das cavernas e das fendas revestidas de abundantes cristais da mesma rocha e ocupadas, também, pelo óxido de ferro hidrático e ocráceo e formando pela concorrência destas duas substâncias o bem conhecido gosan dos ingleses.

Junto ao alveo da ribeira de Caldeiras tem o afloramento deste filão perto de dois metros de grossura, mas subindo a margem direita diminui sucessivamente a sua possança aparente, tornando-se já incertos os indícios do veeiro na continuidade do talude do Castelo, para desaparecerem totalmente mais para SO debaixo do terreno vegetal, sendo aliás muito provável que o filão tenha continuidade real nesse sentido e vá cortar o vale da ribeira numa segunda vez, na inflexão que se nota próximo ao lugar da Raposeira. Na margem esquerda da referida ribeira diminui, também, a possança do afloramento do mesmo filão e as uns 40 m acima do alveo da ribeira encobre-se, semelhantemente, por baixo do solo vegetal, para de novo aflorar a 200 m ao NE do mesmo alveo, apresentando-se com caracteres de um gosan de mui bela aparência. Deste ponto prossegue por mais uns 500 m até à vizinhança do povo denominado Vale do Esteio, onde parece ter seu termo.

A ganga quartzosa que se manifesta nos afloramentos deste filão desaparece em alguns lugares e estes afloramentos reduzidos aos outros contentos, num estado, aliás terroso e inconberente, a custo se fazem denunciar, ocasionando-se por este modo a supressão aparente dos mesmos afloramentos. Nas vizinhanças do ponto onde está praticada a pesquisa que se fez para o reconhecimento deste jazigo, na margem direita da ribeira de Caldeiras, não existe afloramento visível do veeiro e, no entanto a pesquisa confirmou que neste ponto havia uma quase ausência total de ganga quartzosa. Com efeito, encostado à rocha do tecto e funcionando de salbanda, aparece uma placa de argila ocrácea, passando a cinzenta e contendo tenuíssimos cristais de galena disseminados para o lado interior do filão e tendo 0,10 m de possança: esta salbanda confunde-se com uma rocha terrosa ocrácea com abundantes concreções e geodes de ferro hidratado e serve de matriz à galena numa largura ou possança de0,40 m. O minério plumbífero apresenta-se neste núcleo em ninhos de diferentes grandezas e formas, uns maçissos, com a superfície e algumas cáries revetsidas de carbonato de chumbo cristalizado, outros muito cavernosos acompanhados também do mesmo carbonato, mas com as cavernas cheias de ferro ocráceo, de modo que nesta pesquisa o minério apresentava no desmonte um volume sensivelmente igual à terça parte do volume da matriz. Uma parte desta ganga argilo-ferruginosa, mais pobre ou mesmo estéril e na largura de 0,05 m a 0,15 m vai formar a salbanda do muro, vindo, portanto, o filão a ter neste ponto 0,6 a 0,7 m de possança.

Além do filão do Castelo observam-se outros para o lado do Poente, entre 300 e 600 m de distância, com afloramentos paralelos de quartzo ferrugínero, sendo muito provável que encerrem contentos iguais aos do filão do Castelo, o que, todavia, não foi ainda averiguado.

A rocha continente de todos estes filões tem o aspecto de gneisse muito duro de cor escura amarelada. Encerra grãos quartzosos e mica negra dispostos em planos paralelos e abundante feldspato granular (predominando sobre os outros elementos) distribuído regularmente pela massa. A estrutura desta rocha resulta de lascado xistoso, bem definido, posto que a aderência e a solidariedade das lâminas converta este falso gneisse numa rocha maciça de difícil ou quase impossível separação. Este lascado dirige-se como todo o mais lascado das rochas cambrianas da localidade de SE para NO. Esta estrutura é, porém, modificada por numerosos planos de resfriamento que cortam a rocha em diversos sentidos, o que contribuirá para facilitar o desmonte da rocha, sem que contudo deixem de ser dispendiosas todas as obras de lavra que houverem de abrir-se fora dos planos do tecto e do muro dos filões. O carácter gnéssico desta rocha e mesmo o de algumas outras faixas que se encontram na localidade com aspecto da micacite é o resultado do metamorfismo ocasionado pela injecção das rochas dioríticas que afloram em Abrantes, Mouriscas, Caldeiras, Sardoal, etc., e exercido sobre xistos argilosos e grawaques de que acima falei, evidenciado na concordância do lascado xistoso de todas estas rochas de carácter mineralógico tão diferente e nas passagens sensíveis e claras desses mesmos carácteres de umas para as outras. Além do aspecto especial destas rochas manifesta-se o metamorfismo anormal com carácteres mais pronunciados ainda e diversos, em Cabeça das Mós, dois quilómetros a Poente do Castelo das Caldeiras e, bem assim, no caminho que deste ponto conduz ao Sardoal, encontram-se os grauwkes e os xistos argilosos com o aspecto e formas do granito, mas um melhor exame deixa reconhecer que é uma eurite com cristais de albite e algumas palhetas de mica. Em partes oferece esta rocha o quartzo mui visível e o feldspato em grãos ou lâminas. Para mais longe dos pontos onde estes carácteres se dão, toma a mesma rocha a estrutura xistosa, passando por graduações ao xisto cinzento subluzente e ao grauwake, encerrando frequentes lâminas de leptinite. No Sardoal os xistos argilosos e os grauwakes carregam-se de mica, o quartzo torna-se visível em pequenos grãos, as rochas tomam a cor amarela escura, em partes averdengoada, deixando ver furtivos afloramentos de uma diorite podre e terrosa.É entre aquele povo e as Sentieiras, que as rochas arenáceas da bacia lacustre terciária do Tejo, juntamente com o xisto cambriano se carregam de grãos de feldspato e de amfibole e que o calcário lacustre dos pequenos retalhos, também terciários, que ali se vêm , torna-se magnesiano, finamente granular, mui duro e cavernoso, em consequência da intensa acção metamórfica das rochas eruptivas que afloram nos lugares indicados, provando-se por estes factos que semelhantes rochas são posteriores à época da formação miocéne.

Não é somente nos afloramentos que aparecem nas vizinhanças do Castelo das Caldeiras que se resumem os indícios do campo metalífero do Concelho de Sardoal. Os afloramentos de filões repetem-se em toda a zona que corre para o N daquele sítio, desde Cabeço das Mós, até ao terreno siluriano de Alcaravela. No sítio da Portela dos Louros e no Currião, sobre o caminho que vai do Castelo para o Sardoal, observam-se repetidos afloramentos de gosan e de uma brecha ocrácea, muito característicos. No caminho do Sardoal para Alcaravela encontram-se outros semelhantes afloramentos que vão passar na estrada de Vila de Rei. Em Entrevinhas, 3 quilómetros ao nascente do Sardoal e mais adiante ainda, seguindo a estrada do Penascoso, encontram-se diversos afloramentos, com carácteres análogos e todos sensivelmente paralelos ao filão do Castelo das Caldeiras, isto é, dirigindo-se de E 40 N a O 40 S aproximadamente, devendo notar-se que com todos estes afloramentos concorre sempre uma alteração metamórfica mais ou menos profunda nos xistos continentes. Enfim no sítio do Vale Longo, a 2,5 quilómetros a Nordeste do Sardoal, aparecem outros veeiros, representados por uma brecha quartzo-ferruginosa dirigindo-se no sentido do lascado xistoso (S 30 E a N 30 O) mas cortando os planos do mesmo lascado sob ângulos diversos em consequência das plicaturas das lâminas xistosas. São os únicos filões que encontrei nestas paragens com direcção diferente da dos precedentese os quais pertencem, provavelmente a outro sistema.

Desta resumida indicação conclui-se que em todo o tracto ao SE Nascente e Norte do Sardoal e numa área de 40 a 60 quilómetros quadrados, há um campo cortado por numerosos veeiros e repetidas zonas de rochas alteradas por um segundo metamorfismo, atestando todos estes fenómenos um trabalho intenso das acções interiores do globo exercido em parte pelas emissões metalíferas, no número das quais entra o jazigo plombífero do Castelo das Caldeiras. E estou bem seguro que logo que haja mais movimento no nosso País e que se tornem mais bem conhecidos os recursos materiais depositados no seio do nosso solo e que ao mesmo tempo penetre no gabinete do economista e do capitalista uma mais sólida ilustração, teremos naquele e em outros mais pontos da margem direita do Tejo outros tantos centros da actividade industrial determinados pela lavra das minas que ali se manifestam desde o Zêzere até ao Erges.

Examinaremos agora, ainda que de um modo geral, quais são as condições económicas em que se acha a mina que nos ocupa.

A situação do jazigo de chumbo do Castelo das Caldeiras é uma das mais favorecidas pela natureza para se empreender sobre ele uma lavra vantajosa. Os filões deste local cortando transversalmente a ribeira das Caldeiras, deixam acima do leito desta mesma ribeira um vasto campo de lavra, com especialidade sobre a margem esquerda onde o filão do castelo tem um quilómetro de extensão linear com alturas de 60 a 100 m e sobre o leito da indicada ribeira, havendo nos campos de lavra de ambas as margens um esgoto natural a um serviço por meio de galerias abertas sobre o mesmo filão e um pouco acima das máximas cheias. Para o enxugo dos trabalhos de lavra dos campos inferiores ao leito da ribeira e para a extracção dos respectivos produtos, pode dispôr-se da águas desta mesma ribeira, as quais, represadas à distância de um a dois quilómetros fornecerão uma excelente força motriz com a queda de 12 e 20 m e em razão do grande declive do corrego da ribeira desde as Caldeiras até acima do Pisão de Bruche. Não pude, é verdade, medir o volume destas águas por carecer de um trabalho prévio e demorado que não era possível fazer e mesmo porque a estação invernosa não era a mais apropriada para este género de apreciações. No entanto, pelas informações idóneas a que recorri, soube que desde Novembro a Maio as azenhas estabelecidas nesta ribeira usam somente uma pequena parte do volume das águas da ribeira em razão da sua abundãncia e que só no estio é que as aproveitam todas, mas sem deixarem de trabalhar todas as máquinas. Em todo o caso, a curta distância de 3 quil´ometros que vão desta mina até ao Tejo, aquela que a separará da linha de ferro que de Santarém deve caminhar para Leste ea facilidade de construir um bom caminho que comunique com qualquer daquelas duas vias, resolverão muito favoravelmente a questão mais remota do estabelecimento de uma máquina a vapor para suprir as faltas de água, quando for mister um aumento de força motriz para o serviço dos campos mais profundos.

Portanto esta mina pode ser atacada na sua região superior com proveito imediato sem o emprego de grandes capitais, porque não tem despesas de esgoto e o serviço de extracção deve ser muito económico por se fazer pelas galerias de avanço que devem vir à flor do solo e sobre o alveo da ribeira, sendo indispensável, desde logo, preparar o ataque futuro das regiões inferiorespor meio da abertura de um grande poço mestre, cujo trabalho se pode ir fazendo com mais morosidade e custeado com parte dos lucros que der a lavra da região superior.

Outra vantagem que afecta as boas condições económicas desta mina é a abundância de madeiras, com especialidade as de pinho que tem as vizinhanças do Sardoal e a distâncias de 2 a 8 quilómetros do local onde devem estabelecer-se os trabalhos. Porém, como as construções públicas e sobre todas os caminhos de ferro estão em vias de grande aumento, acontecerá que dentro em pouco tempo não teremos naqueles lugares a abundância de madeiras que hoje ali se vê e , por isso, conveniente e necessário será que seo governo conceder esta mina lhe imponha a condição de semear e entreter uma floresta ou mata, que possa no futuro supris todas as necessidades da lavra e dos estabelecimentos seus dependentes.

Pelo que respeita ao estabelecimento do tratamento mecênico do minério, há um grande espaço e muito azado no sítio do Lagar da Raposeira, uns 500m a jusante do filão do Castelo. Aqui o álveo da ribeiro alarga-se bastante e o local podemui vantajosamente acomodar todas as oficinas de tratamento, permitindo que se estabeleçam nas condições que se desejar, para o que haverá sempre a água necessária ao seu entretenimento. E auando o prolongamento de uma galeria de avanço atravesse a montanha do Castelo, poderá o minério ir imediatamente para as oficinas sem percorrer a parte exterior do solo, aliás difícil por causa das ladeiras que guarnecem as margens da ribeira e por onde deverão, também, sair os desentulhos, por ser ali onde há bastante largura para serem depositados.

Quanto ao tratamento metalúrgico, parece ser mais conveniente transportar o schelick para Lisboa e fazer ali a sua redução, do que receber o carvão de pedra de Lisboa para depois enviar o produto fabricado para este mercado.

Este alvitre, na presença de uma tão pronta comunicação com o Tejo, é tão simples intuição que não carece demonstrar as suas vantagens.

Para a aquisição das águas necessárias à força motriz, quer da que no futuro tem de pôr em movimento as bombas de esgoto, quer da que se torna necessária para as oficinas de lavagem, há forçosamente a expropriar alguns moinhos de azeite e de cereais, cujo valor máximo de cada um, dizem que orçará por 400$000 rs.

No que toca aos terrenos que devem ser expropriados para o uso e serventia da mina e das oficinas anexas, são eles de valor variável. Nas encostas da ribeira sendo todo o solo coberto de mato não tem muita importância, mas em compensação tem de construir-se socalcos para sustentar as terras provenientes da escavação, a fim de não obstruírem a ribeira e isto enquanto o desenvolvimento da lavra não facilitar o transporte para outros pontos.

Pelo que respeita aos braços para os trabalhos da mineração e das oficinas, não há excesso na população do Concelho do Sardoal e limítrofes, em razão do muito emprego que têm na agricultura, onde se paga a 200 réis o jornal. Há porém muitas mulheres e rapazes que buscam trabalho e que podem ser utilmente empregados nos trabalhos exteriores e nas oficinas de tratamento a preço de 80 a 100 réis o jornal.

Enfim, qualquer das margens da ribeira, desde as Caldeiras até ao Tejo, presta-se a uma fácil comunicação entre a mina e aquele rio, cuja distância pouco poderá exceder a 3 quilómetros, sendo esta uma das condições que a todos os respeitos maior valor dá a esta mina.

Lisboa, 15 de Abril de 1857